Publicado originalmente por nosso parceiro Hempadão
Essa semana escolhi uma mensagem que me fez refletir sobre uma questão já antiga, para o qual inclusive fiz uma nota para uma edição da Revista Super Interessante, sobre Redução de Danos. O texto da revista é de 2008. A mensagem diz o seguinte:
“Oi Sergio, tudo bom? Comprei uma canetinha dessas vaporizadoras, marca pax, só que eu fumo prensado nela e mês passado fiquei com uma inflamação fudida nos pulmões e até hoje estou me recuperando. Não falei nada pra o médico, mas você acha que pode ter influenciado por ter sido vape e não baseado?”.
De fato, quase toda maconha consumida atualmente no Brasil é altamente contaminada com variados fungos e bactérias e em qualquer forma de uso, seja baseado, vaporizador, ou comendo, você vai correr o risco de se contaminar. Claro que existe variações, e que algumas estarão muito mais estragadas que outras, mas todas têm algum grau de contaminação por patógenos. Eu não sei até que ponto fumar um baseado iria melhora a situação, caso a maconha não seja de procedência confiável. Mas, em todo caso, vaporizadores foram feitos para serem usados com maconha de verdade, ou seja, flores fêmeas ou os extratos de sua resina. JAMAIS deve ser consumida qualquer maconha com contaminação, sob risco de colocar a saúde em perigo. Num mercado legalizado, a maior parte da maconha vendida no Brasil não estaria disponível, ao contrário, seria apreendida pela ANVISA, mas não pela ilegalidade da planta, mas da má qualidade do produto.
Abaixo copio o texto que preparei sobre o tema, que enviei à Super Interessante, do qual foi extraído um trecho para compor a matéria.
A Maconha está mesmo ficando mais forte?
Nos últimos anos, com o boom da cultura do cultivo para consumo pessoal, diversas notícias têm criado alarde sobre os perigos da “maconha geneticamente modificada”, baseadas principalmente em situações de apreensão no qual plantas estavam sendo cultivadas por em estufas com lâmpadas em ambientes artificialmente controlados ou utilizando sementes de criadores especializados.
Esse processo de estigmatização sobre as práticas de cultivo não-comercial é fundamentado principalmente na falta de informação e ignorância a respeito das características botânicas da planta e das técnicas de cultivo empregadas para o cultivo indoor.
Um dos principais mitos relacionados com esse tipo de cultura é a acusação de que tais técnicas de cultivo e os novos híbridos da planta possibilitariam plantas com maiores quantidades de resina e princípios ativos, incorrendo em maiores riscos e danos à saúde dos usuários. De fato, a produção de resina e inflorescências depende dos cuidados do cultivador e das técnicas empregadas. Porém, alguns pesquisadores afirmam que qualquer linhagem de maconha, quando bem cuidada, poderá produzir muitas flores e grandes quantidades de resina. No entanto, não podemos dizer que, por isso, as plantas sejam geneticamente modificadas, muito menos que os usuários estejam consumindo maconha de forma mais arriscada ou perigosa, ou que a maconha atual é mais potente que a do passado.
O ressurgimento da cultura de cultivo de maconha é um movimento relativamente recente na história da humanidade e ainda mais recente na história da evolução dessa espécie vegetal. Seria muita pretensão acreditar que os cultivadores contemporâneos, em menos de 50 anos de relação com o vegetal, tenham conseguido desenvolver técnicas de cultivo assim tão inovadoras e revolucionárias. Na verdade, tudo o que eles fizeram foi resgatar, registrar, difundir e adaptar dentro das condições específicas do regime proibicionista em cada localidade, uma ampla variedade de saberes que já estavam por aí difundidos e sendo utilizados para a produção de outras plantas.
Além disso, o mercado legalizado de variedades da maconha tem investido muito mais em propriedades como aroma, sabor, proporção dos fitocanabinóis, cores e formatos das inflorescências, do que somente na busca de maiores quantidades de flores ou resina. Dessa forma, tem procurado ampliar a possibilidade da cultura canábica desenvolver-se de forma semelhante à cultura do consumo de vinho, cerveja ou café, por exemplo, que não se focam apenas em produzir bebidas com mais álcool ou cafeína. Inclusive atualmente temos visto o investimento dos criados no sentido de produzir plantas com o mínimo de THC possível, para diminuir a burocracia para o uso medicinal dessas linhagens em países com restrições severas ao THC, componente mais psicoativo da planta. Do mesmo modo temos visto o crescimento do número de variedade de maconha sendo desenvolvidas por sua quantidade de CBD, um fitocanabinóide não-psicoativo, mas com diversas propriedades medicinais. Muitos bancos têm inclusive se dedicado exclusivamente ao desenvolvimento de variedades unicamente por seu potencial em CBD.
Outro fator que pode confundir também na hora de afirmar que a maconha está ficando mais potente é se estamos afirmando isso fazendo a comparação com o fumo que é vendido nas ruas. Quando fazemos considerações comparando a maconha produzida por um cultivo doméstico, com o fumo apreendido em operações policias, precisamos fazer ponderações importantes, afim de assegurar um mínimo de equidade. A maconha é um produto bastante frágil, que perde a maior parte das suas propriedades quando armazenado, transportado ou manuseado em condições inadequadas.
A resina psicoativa, que atualmente lhe dá valor no mercado ilícito de drogas, se apresenta na
planta apenas nas inflorescências dos espécimes fêmeas, na forma de pequenas gotas de óleo, que facilmente se desprendem.
Essa resina se desprende tão facilmente da planta que, durante uma colheita , somente com a resina que cai na manipulação da planta no processo de retiradas das folhas, é possível obter pequena quantidade de haxixe. O próprio método tradicional de extração da resina para o feitio de haxixe é colocando a planta sobre um tecido de seda esticado (atualmente usam malha de nylon), cobrindo a planta com uma lona e batendo com varas por cima, para que a resina passe pela seda e se acumule em um recipiente.
Isso significa que todo tipo de manipulação das flores após a colheita, até mesmo as realizadas com bastante cuidado, ocasionam perda de resina. Não há pesquisas sobre o grau de perda da resina no processo de produção, armazenamento, transporte e distribuição da maconha vendida ilegalmente no Brasil. Mas podemos imaginar o quanto se perde no processo todo de sair do campo e chegar ao consumidor final, após todas os intermediários e tudo que tiveram que passar para se esconder dos agentes da Lei.
Além disso, todas as pesquisas realizadas para medir o nível de resina e princípios ativos são feitas com amostras de maconha apreendidas bem depois de terem sido colhidas, o que faz com que tenham boa parte da sua resina já deteriorada ou perdida. A comparação da maconha apreendida com a maconha cultivada em estufas, se faz, portanto, inadequada desde o princípio, devido ao cuidado com que essa última é efetuada.
Dessa forma, não pode-se afirmar que a maconha cultivada atualmente é mais forte que a cultivada no período pré-proibicionismo, a não ser que se façam estudos comparando as características das híbridas de seed banks com as variedades nativas brasileiras, cultivando-as desde o princípio e não utilizando a maconha apreendida pela polícia.
Com base nos conhecimentos botânicos sobre a planta e sua resina, pode-se apenas especular
que o produto vendido ao consumidor final na maioria dos empreendimentos atuais que comercializam maconha sem autorização perde boa parte da sua resina antes de ser consumida pelo usuário.
Isso se deve não só aos rústicos processos de colheita, armazenamento, transporte e distribuição, que têm que seguir a lógica da priorização da quantidade, mas também ao fato dos pólos consumidores se encontrarem a longas distâncias dos locais de cultivo. Nesse contexto, grande parte da maconha vendida no Brasil está em estado de deterioração avançado, muitas vezes contaminada com fungos e bactérias nocivas. Portanto, quaisquer comparações entre os níveis de resina e princípios ativos da produção doméstica e os da produção comercial não-autorizada merecem bastante ressalva, já que as diferenças não estão na qualidade genética da planta utilizada para produzir maconha numa e noutra situação, mas nas técnicas de cultivo, preparo, colheita, armazenamento e transporte, no estado de conservação do produto e na quantidade de resina que consegue chegar até o consumidor final.
É verdade que, ao cultivar para consumo próprio, os usuários podem obter fumo fresco, recém colhido e livre de fungos e outros fatores deteriorantes, mantendo boa parte da resina produzida pela planta. Porém, isso não significa que estejam consumindo maiores quantidades de resina ou princípios ativos. Nesse sentido, precisamos admitir que existe uma diferença entre quantidade de resina e de princípios ativos contidos na maconha colhida e preparada pelos próprios usuários e
pela maconha apreendida pela polícia. Mas, nesse caso, a maconha cultivada não é mais potente e por isso mais perigosa e arriscada. É a maconha vendida nas ruas que está cada vez mais deteriorada, por ser armazenada, transportada e manuseada em condições inadequadas, e com isso, aumentando os riscos à saúde dos usuários. A própria ONU, em seu relatório anual de 2006, que dedicou um capítulo específico para falar a respeito da Cannabis, afirma que, “após a proibição da planta, grande parte do produto comercializado se tratava, na verdade, de galhos, folhas, sementes, ou seja, de matéria vegetal pobre em resina” o que sobra pouca coisa utilizável para os usuários.
+Info: Publicado originalmente no blog parceiro Hempadão
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