Um amigo que recebeu uma Notificação dos Correios para que fosse retirar sua correspondência na agência, no setor de Fiscalização Tributária. Por conta desse problema com ele, e porque já recebi outras mensagens consultando sobre coisas parecidas, decidi que o texto de hoje deveria falar sobre o que pode ocorrer quando se compram sementes pela internet.
O possível problema desse tipo de transação não é nem a compra pela internet é o transporte via Correios. Quando uma correspondência chega de outro país ela passa pelo setor de Tratamento Internacional e, nesse momento, pode ser sorteada para ser avaliada em detalhe com uso de aparelho de raio-x. Caso isso ocorra e eles descubram as sementes, enviarão uma intimação para comparecimento para prestar esclarecimento sobre a correspondência.
Se você é um cultivador precavido, é óbvio que mandou as sementes para um endereço onde não há plantas. Mas, caso haja um jardim na residência onde a intimação foi entregue, é bom se livrar das plantas o mais rápido possível, ou deixá-las de quarentena na casa de um amigo de confiança.
Vá ao local indicado na intimação. Se for perguntado a respeito das sementes, diga que tinha pensado em começar a plantar para uso pessoal e tinha comprado para ver se era possível, mas que infelizmente agora não iria tentar isso tão cedo. Há alguns relatos de pessoas que passaram por essa situação e todos têm assinado Termo Circunstanciado de Ocorrência e aguardado audiência sob acusação de infração ao artigo 28 da Lei, que corresponde a condutas de usuários. Em outras palavras, a Polícia Federal, que é quem fiscaliza as encomendas que chegam através dos Correios, tem tido um entendimento de que quem compra sementes pela internet são usuários, não traficantes.
Em todo caso, nunca é bom arriscar. Se comprar sementes, evite ficar repetindo esse ato com frequência, para não aumentar a possibilidade de rodar. Procure fazer mudas das plantas fêmeas para garantir que não irá precisar ficar comprando sempre sementes.
O caso do meu amigo nem foi por que ele comprou sementes pela internet, por exemplo. Um amigo dele lhe envio um Sedex com uma grande quantidade de livros e revistas e junto mandou algumas sementes. No caso dele o setor de Fiscalização Tributária chamou ele para ver se o que ele recebia por Sedex era alguma compra sem Nota Fiscal, ou, no popular, contrabando. Hoje em dia é cada vez mais comum as pessoas realizarem comércio usando a internet sem emitir notas fiscais e o Estado está cada vez mais de olho para meter as patas nisso também. Então, fique ligado. Por sorte, quando a atendente da Receita Fiscal lhe perguntou o que era ele disse que eram livros e revistas velhas que um amigo lhe enviava de presente. Ela abriu, não tirou nada de dentro e devolveu-lhe o pacote. Sem problemas. Mas ele teve que desmontar todo seu jardim para criar coragem de ir na Agência dos Correios.
Diversas mensagens que já recebi por e-mail falando de casos semelhantes incluíam alertas de que a abordagem da Polícia Federal não estava sendo tão tranquila como eu pensava. Uma mensagem em especial, de um amigo meu advogado, me contou um caso de uma pessoa próxima que havia ocorrido de não ser tipificado pelo artigo 28, relacionado com a figura do “usuário”. Os agentes ficaram na duvida se enquadravam ele no artigo 28 ou no artigo 33, mas no fim, resolveram considerar como uma conduta atípica, mas mantiveram a acusação de infração ao art. 28 e deixaram ele responder ao processo em liberdade.
Após todas as mensagens que recebi, e ter conversado com um amigo advogado, decidir fazer esse pequeno texto explicando como funciona juridicamente o mercado de sementes e porque é possível em alguns países vender as sementes que nós compramos no Brasil. Todos os países que assinaram o Tratado Internacional sobre Drogas, de 1961, acordaram que iriam coibir o comércio da resina da maconha e não de suas sementes. Os Tratados sobre drogas não falam nada sobre sementes. A maioria das legislações de diferentes países não cita a venda, compra ou posse de sementes como crime. Ou seja, o Tratado ignorou as sementes e muitas leis de diferentes países também. Em países como Holanda, Inglaterra, Espanha, Portugal, Chile, Canadá, dentre muitos outros, empresários passaram então a vender as sementes apenas para uma finalidade: Coleção. Na maioria dos países os bancos de sementes as vendem com o discurso de que são apenas para colecionadores e que se alguém germiná-las não é sua responsabilidade. E, de fato, isso é verdade. A responsabilidade é de quem germina. Por isso, em todos os sites de sementes eles avisam: Conheça bem as leis do seu país.
Mas mesmo a Lei brasileira não criminaliza as sementes. A Lei 11.343 criminaliza condutas relacionadas com ter, fornecer, obter, etc “insumos” para “fabricar” drogas. Mas sementes não são insumos, nem são usadas para fabricar. Claro que é possível encaixar o ato de comprar, vender ou ter sementes nesse item do artigo 33, que é relacionado com a figura do “traficante”, e esse é o principal risco de comprar sementes no Brasil. Segundo meu amigo advogado são 3 as possíveis interpretações que um Juiz ou agente da Polícia Federal pode dar:
1) Considerar que as sementes seriam usadas para um cultivo para uso pessoal e qualificar como infração ao artigo 28;
2) Considerar que as sementes seriam usadas para um cultivo para com fins de comércio e que por isso são “insumos para produzir drogas” e qualificar como infração ao artigo 33;
3) Considerar que é uma conduta atípica, que não está prevista na Lei e desclassificar o crime;
Infelizmente não temos notícias de qualquer Juiz que tenha escolhido considerar como uma conduta atípica nem a compra de sementes, nem o cultivo. É uma questão de sorte ou azar que um agente da polícia, delegado ou juiz escolha a primeira ou segunda opção.
Na dúvida, é importante seguir as dicas de segurança: Dê um pseudônimo para ser usado como destinatário na carta; Não mande as sementes para um endereço onde há um cultivo.
Caso tenha recebido uma carta chamando-o a comparecer para esclarecimentos sobre sua encomenda, providencie um advogado caso deseje ir prestar esclarecimento. Muitos usuários simplesmente não têm ido, ignoram a solicitação e nada tem ocorrido. Essa é uma opção também a ser pensada na hora de tomar uma decisão sobre o que fazer.
+info: Originalmente publicado em dois artigos no blog parceiro Hempadão
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