Por
Sergio Vidal
A maconha é conhecida dos humanos há
milhares de anos. Não sabemos exatamente quando começamos a
utilizar as sumidades floridas dessa erva e seus extratos
concentrados por causa do barato que eles causam. Por outro lado,
existem muitos registros arqueológicos de que há mais de 12.000
anos nós já usávamos das fibras dos seus caules e galhos para
produzir tecido, cordas e outros itens que foram fundamentais para
nosso processo civilizatório e, há mais de 5.000 anos, já fazíamos
uso das propriedades medicinais das suas flores e extratos
concentrados. Ao longo dos séculos usamos as diferentes partes da
planta, tanto as psicoativas como as não-psicoativas, para diversos
outros fins, inserindo a planta de forma ampla e profunda no dia a
dia das economias de diversas civilizações, em diferentes períodos
da nossa história. Até o surgimento e instauração da hegemonia
das políticas proibicionistas entre o final do século XIX e meados
do XX, a maconha foi vegetal fundamental na economia das civilizações
mais avançadas da humanidade. Cultivar, beneficiar e consumir
maconha em seus diferentes formas de uso não era crime, ao
contrário, fazia parte normal do dia a dia da humanidade.
Em diferentes sociedades e grupos
humanos, até o início do século XX as sementes eram usadas como
alimentos, por serem ótima fonte de proteína, vitaminas, fibras e
outros nutrientes ou por seu óleo que, além de também servir como
alimento, durante séculos, junto com o óleo de baleia, foi o
principal combustível para as lamparinas; já os caules e galhos
eram macerados e transformados em longas e resistentes fibras
têxteis, tecidas das mais diversas maneiras, de acordo com a
finalidade; e as flores eram processadas e tinham seus óleos
essenciais extraídos para serem usadas como medicamento. Durante
todo esse tempo, a planta nos serviu docilmente com todo seu
potencial utilitário diversificado, enquanto nós humanos,
predadores universais, a consumíamos em suas mais diferentes
modalidades, extasiados e satisfeitos com tudo que ela nos
proporcionava e, ao mesmo tempo, semeávamos a planta por todo
território mundial, levando-a conosco por todos os lugares que
passamos.
Porém, apesar de todo histórico de
milênios de convivência e mutualismo, onde nos servíamos da planta
de diversas maneiras e ela se aproveitava para colonizar todo
planeta, em 1961 um Tratado Internacional assinado por dezenas de
países acordou que deveriam ser feito esforços para banir os usos
da maconha que não tivessem finalidades exclusivamente medicinais ou
cientificas. A proposta parecia boa: Acabar com a criminalidade que
envolvia o mercado ilegal das plantas e drogas medicinais para acabar
com o uso recreativo e garantir as pesquisas e as aplicações
medicinais. Porém na prática as coisas saíram um pouco do
controle. A política que inicialmente tinha como objetivo principal
dar segurança aos usos medicinais e científicos teve como
consequência justamente o contrário. Ao longo dos anos as leis dos
países tornaram-se paulatinamente mais severas, tornando a
burocracia impeditiva para a produção e usos medicinais, ou para a
realização de pesquisas científicas. Além disso, o consumo
recreativo não diminuiu, ao contrário, tornou-se um fenômeno de
massa. O mercado ilegal cresceu, e com ele o aumento da violência e
dos crimes associados ao tráfico. Por outro lado os usos medicinais
e as pesquisas científicas praticamente deixaram de existir.
Em outras palavras, as leis e
políticas públicas que tinham como objetivo principal reduzir os
danos e riscos do mercado ilegal tornando-o mais seguro e garantindo
o crescimento das pesquisas e das aplicações medicinais, acabou
tornando-se o principal fator causador de danos tanto aos
consumidores quanto à sociedade em geral. Não
estou dizendo que a maconha seja inócua e só as políticas e leis
causem danos. Mas no caso específico da Cannabis
sativa
os principais danos e riscos são decorrentes dos métodos e padrões
de consumo, e da forma como a substância é produzida e
comercializada o que pode ser controlado com educação e políticas
públicas de saúde pública. Os danos ocasionados pelos padrões de
consumo geralmente estão ligados à utilização de métodos de
ingestão que usam a fumaça da planta como veículo condutor dos
princípios ativos e com o consumo de erva contaminada ou
deteriorada, o que é quase 100% do que é vendido atualmente no
mercado clandestino. A ingestão de qualquer conteúdo inalando a
fumaça da sua queima provoca irritação e danos nos órgãos e
tecidos dos aparelhos digestivos e respiratórios, que podem levar ao
desenvolvimento de feridas e até mesmo câncer. Usada na forma de
cigarros, além da fumaça em alta temperatura, a maconha libera
substâncias tóxicas como o monóxido de carbono, que podem
apresentar o mesmo potencial de risco que as liberadas pela queima do
tabaco ou outra fumaça. Deve-se utilizar técnicas para resfriar os
vapores ou fumaça, ou minimizar seus danos, antes de ingeri-la
(cachimbos, piteiras, cachimbos d’água, bongs,
vaporizadores, etc.), ou consumir alimentos à base da erva, ao invés
de fumá-la. E, principalmente, só consumir flores frescas, recém
secadas, isentas de fungos ou outras contaminações.
Como vimos, o
proibicionismo é um dos principais fatores ampliadores dos riscos e
danos relacionados com o uso da maconha na atualidade. Ao buscar
cultivar sua própria erva o usuário, seja ele de caráter medicinal
ou recreativo, está não apenas garantindo a qualidade do que irá
consumir, mas principalmente deixando de colaborar com uma rede
perversa de atores envolvidos no sistema que atualmente gera a maior
parte dos problemas atribuídos à maconha. Cultivar sua própria
maconha é, portanto, a principal colaboração que um usuário pode
dar atualmente para mudar não apenas a sua realidade com relação
ao consumo de maconha, mas a realidade do país. Já é hora de por
as mãos na terra e começar a semear o Brasil e o planeta que
queremos ver no futuro!
+info: publicado originalmente na 2 edição da Revista Maconha Brasil
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