Edmilson Lopes Jr*
Segundo levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Rio
Grande do Norte, 47% das pessoas que se encontram encarceradas no estado
devem à sua prisão ao envolvimento com o tráfico de drogas. Em 2008,
esse percentual era 20%. O que teria levado a um aumento tão
significativo? As prisões seriam o resultado de um forte enraizamento
social do consumo de drogas na esquina do Atlântico Sul? Ou, quem sabe?,
o produto da eficiência policial potiguar?
Os dados ainda não permitem análises mais aprofundadas, mas a minha
hipótese é a de que esse quadro é o efeito indesejado da Lei 11.343, de
2006. Como se sabe, essa lei relaxou a punição contra os usuários, mas,
até como contrapartida para legitimar essa aparente liberalidade,
aumentou a punição para os supostos traficantes. E as penas são
draconianas: de 05 a 10 anos de prisão
A lei acima mencionada, apesar do seu verniz progressista e das boas
intenções daqueles que a elaboraram e lutaram pela sua aprovação, produz
um resultado fortemente negativo, oposto ao ideário explicitado por
aqueles que a defenderam quando da discussão. Por quê? Ora, simplesmente
porque ela atribui muito poder ao sistema repressivo (especialmente o
policial) para determinar quem é traficante. Na realidade, os jovens de
classe média, quando encontrados com algumas gramas de maconha ou
cocaína, defendem-se recorrendo a justificativa de que são "usuários".
Os jovens da periferia, como reagem? Em primeiro lugar, legalmente, não
reagem. Não têm os recursos materiais e simbólicos para isso. Quando
tentam se explicar, em uma batida policial, são colocados no seu "devido
lugar" pelas "autoridades". Os primeiros saem lépidos e faceiros,
afinal são usuários e são "nossos" (nossos filhos, alunos, colegas,
filhos de amigos, etc.). Já os segundos, mesmo quando portam quantidades
de drogas idênticas ou menores do que aquelas que, todo mundo sabe, os
jovens de classe média levam para as suas baladas, são taxados como
traficantes.
A lei, que quando da sua promulgação contou com o apoio de
forças ditas progressistas, tem um viés classista inegável. A sua
consequência perversa, por mais paradoxal que seja, é fortalecer o crime
organizado e o narcotráfico. Ora, quando um jovem sem passagem pela
polícia é preso como traficante porque foi encontrado portando alguma
quantidade de droga, geralmente para o seu consumo ou de amigos, ele se
torna prisioneiro não apenas do Estado, mas também das redes criminosas.
Após sair da prisão, tendo perdido o seu emprego, e dilapidado os
parcos recursos pessoais e familiares com os honorários advocatícios,
que caminho lhe resta?
As prisões abarrotadas por causa da guerra às drogas apontam
a face cruel de uma sociedade fortemente desigual. Antigamente, os
usuários de drogas das classes médias eram medicalizados. No máximo,
eram identificados como "viciados", pessoas que necessitavam de
tratamento e apoio. Os jovens das classes populares eram "vagabundos" ou
"maconheiros sem-vergonhas". Hoje, os jovens de classe média são
usuários; os de classe popular, traficantes.
Nesses dias, na Universidade, um aluno, com se estivesse a narrar um feito heroico, contou-me o seguinte: "Eu
estava na entrada do show e aí os policiais apareceram e me revistaram.
Eu tava com uns bagulhos. Mas eu encarei: 'sou usuário, tá bem? Isso aí
é para mim, a lei me dá cobertura'. Falei com firmeza e saí na maior".
Eu, no meu canto, fiquei a pensar: quantos jovens negros e pobres, na
mesma situação e com a mesma quantidade de drogas, poderiam reagir de
maneira semelhante? Muito certamente, hoje, esse jovem da periferia
seria mais um na soma daquele percentual absurdo de 47% de presidiários
por tráfico de drogas no Rio Grande do Norte.
Edmilson Lopes Júnior é professor de sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). edmilsonlopesjr@terra.com.br
FONTE: Terra Magazine
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