A
tentativa de prisão de três estudantes pela PM na FFLCH e a reação dos seus
colegas em sua defesa é um episódio revelador das muitas contradições que
existem em nossa sociedade.
Em
primeiro lugar, fica patente o sentido absurdo do proibicionismo de certas
drogas. O uso de cigarros ao ar livre em lugar retirado seja de tabaco, de cravo
ou de maconha, não afeta ninguém exceto os seus usuários. É uma conduta
tipificada na teoria do direito como isenta de qualquer princípio de lesividade.
O bem estar público não estava sendo afetado. Ninguém estava sendo ameaçado em
seus direitos nem havia nenhuma violência em curso. A própria legislação vigente
por meio da lei 4330 já entende que o uso de drogas em si não deva ser
penalizado.
O
uso de maconha em parques, praias e locais abertos é prática disseminada entre
milhões de usuários e sua injustificada repressão envolve uma compreensão de que
o papel da polícia deva ser o da coerção em massa de práticas culturais
recreacionais e de estilos de vida característicos da juventude e das camadas
populares. Essa função torna a polícia um veículo de distúrbio da paz social e
uma fonte de corrupção devido às extorsões comumente praticadas contra usuários
de substâncias ilícitas.
Toda
a violência adveio da intervenção da polícia que terminou inclusive usando armas
químicas lacrimogêneas que, embora sejam chamadas de “não-letais”, são armas
extremamente tóxicas e inclusive cancerígenas. PMs chegaram a ameaçar atirar
bombas no interior do prédio da Ciências Sociais e há relatos de que ao menos um
tiro foi disparado para o ar. Após a brutal invasão da tropa de choque em 2009,
novamente gases tóxicos são espalhados pelos prédios da FFLCH e estudantes
agredidos pela polícia que supostamente estaria lá para
defendê-los.
A
PM no Brasil é um entulho autoritário do período da ditadura militar, é uma
polícia militarizada com foros privilegiados que se constitui na força policial
mais violenta do mundo, com registro de torturas, assassinatos, até mesmo de
juízes, como ocorrido recentemente no RJ, onde a formação das chamadas
“milícias” mostra como ocorre um acelerado processo de deriva delinquencial de
uma parte do aparelho policial.
O
uso de drogas por jovens não pode ser tratado como um caso de polícia. Menos
ainda num ambiente escolar, onde o diálogo e a busca de soluções negociadas e
não violentas deve ser uma parte constituinte do projeto
pedagógico.
O
uso de maconha pela juventude há muitas décadas é parte tanto de uma atitude de
rebeldia e desafio, elogiável característica da juventude que lhe confere boa
parte de sua capacidade de indignar-se, como de uma busca de recursos
alternativos aos remédios farmacêuticos para se lidar com a tensão e ansiedade
da vida contemporânea ou para se potencializar a criatividade. Quando se sabe
que personalidades científicas como Carl Sagan, Stephen Jay Gould, Oliver Sacks
ou Sérgio Buarque de Hollanda usaram maconha não se objeta que tal uso tenha
sido contraproducente para sua criatividade. Quando um empresário como Steve
Jobs declara que sua experiência com LSD foi uma das coisas mais importantes de
sua vida ou quando cientistas como Francis Crick reconhecem que a experiência
com psicodélicos tem enorme potencial cognitivo, eles não são acusados de
apologistas.
Em
1967, diversos intelectuais de todo o mundo, como Gilles Deleuze, François
Chatelet, entre outros, assinaram manifesto publicado no Times de Londres,
solicitando a despenalização da Cannabis. Passado quase meio século e essa
reivindicação continua presente e, mais do que nunca,
necessária.
É
mais do que hora da comunidade acadêmica se manifestar novamente contra a
proibição do uso da Cannabis, explicar para a opinião pública os argumentos
contra a mortífera e imperialista guerra contra as drogas imposta ao mundo pelo
governo dos EUA e defender o direito ao autocultivo de maconha e exigir que a
questão social e cultural das drogas não continue sendo tratada como caso de
polícia.
Se
até um professor titular da faculdade, ex-presidente da República, se
autocriticou de sua política de drogas e aderiu à campanha antiproibicionista,
porque a maioria de nosso corpo docente não se manifesta na forma de um
abaixo-assinado contra a continuidade da proibição e perseguição ao uso da
maconha no país, propondo uma alteração da atual
legislação?
Em relação à sua pergunta final, explico-lhe: hipocrisia.
ResponderExcluirPrezado Professor Henrique,
ResponderExcluirTenho 21 anos e sou estudante da UFMG. Ao ler o texto do senhor, sinto me envergonhado em saber que será o educador da minha e das próximas gerações. Sempre admirei meus professores e me encantei com o conteúdo intelectual da maioria. Eles, juntamente com os meus pais e familiares, sempre foram uma éspecie de exemplo a serem seguidos. Assim, ao ler o seu texto, me preocupo com os atuais exemplos que possuimos. Primeiramente, gostaria de iniciar falando que a grande maioria dos jovens da minha idade não fuma maconha nem apoia tais atitudes. Na verdade, os usuários são apenas uma pequena maioria que, ao contrário do que o senhor falou, acaba prejudicando todo o restante. Segundo, diferente do que o senhor afirma, utilizar maconha é sim prática ilegal e tem punição. Infelizmente já não se prende mais o usuário, porém o porte de quantidade excessiva e a venda da droga (que ocorre na maioria das faculdades)é sim um crime e possui pena em cadeia.
Enfim, não consigo nem expressar o quanto fico indignado ao ler o seu texto. Pra lhe falar a verdade, não sei nem o que falar pois, para mim, o professor deveria ser um exemplo, um agente importante na formação do país, e não apoiar algo que está proibido por lei.
Prezado estudante da UFMG,
ResponderExcluirSe sua admiração por seus professores é fruto do conteúdo intelectual de cada um, a leitura de um texto bem argumentado como tal não justifica sua crítica ao professor Henrique. Creio que vc não possa garantir que nem mesmo um dos seus atuais exemplos, não é, ou pelo menos foi, usuário de maconha. Posso afirmar também, que a grande maioria dos não usuários, devido a criminalização do uso, não sabem a expressiva quantidade de fumantes presentes até mesmo em seu próprio meio social. E a tendência dessa parcela é aumentar.
Primeiramente, gostaria de explicitar que sua contradição, a "pequena maioria" de usuários não prejudica a ninguém, além de eles mesmos, no ato do uso. Apesar de, manifestações violentas, como a atual invasão da reitoria no campus da capital, claramente cria prejudicados.
Segundo, não houve nenhuma afirmação do autor que citasse a legalidade do uso da cannabis. Foi dito que há leis, como a 4330, que preza a liberdade de expressão, e que abre caminhos para que se entenda que uso em si da maconha é indevidamente penalizado. As manifestações de caráter anti-proibicionistas são plenamente legalizadas. Assim deve-se começar o processo de regulamentação da droga.
A prisão do usuário traz grande encargo social, misturando-o com homicidas e criminais. Tal ato nada mais gera que aumento do preconceito, e um retrocesso em uma sociedade que reconhece os direitos e liberdades intelectuais de seus cidadãos.
Portanto, maior que a sua, é a minha indignação, de que o futuro de meu país pode depender de pessoas como vc, com a mente tão fechada para o novo, que se recusa a reconhecer o errado que vem sendo mantido a tanto tempo.
De parabéns está o professor, cumprindo seu dever, que não é ser exemplo para seus alunos, mas sim criar senso crítico neles. Não é dizê-los o que devem ser, mas mostrar o que podem ser.
Prezado estudante anônimo,
ResponderExcluirmaior que sua indignação, é a minha de pensar que o futuro de minha pátria pode estar nas mãos de pessoas como vc, cuja mente é tão fechada para o novo, que se recusa a reconhecer o errado, que mantido por tanto tempo, transformou-se em convenção.
Nada prova que nenhum de seus exemplos admirados tenha a mesma opinião que o autor do texto, professor Henrique.
A sua contraditória "pequena maioria" é maior do que imagina, e tende a aumentar. E pelo uso em si, da maconha, nada prejudica o restante.
Em nenhum momento foi citada a legalidade do uso, mas sim leis que estão a abrir as portas para que se entenda o erro na criminalização do usuário, que o mistura com criminais e homicidas, o que causa nada mais que retrocesso a uma sociedade que diz reconhecer os direitos e liberdades de seus cidadãos.
O dever de um professor não ser o ídolo do aluno, mas sim incentivá-lo a ser crítico. Não dizê-lo o que deve ser, mas mostrá-lo o que pode ser.
Busque argumentar seu ponto de vista de defender violência militar, e criticar um proibicionismo indevido, ao invés de maldizer aqueles que buscam esclarecer pontos importantes tão distorcidos na imprensa brasileira.