quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Nova Lei Brasileira sobre Drogas e os consumidores de Cannabis


No último dia 8 de outubro de 2006, entrou em vigor no Brasil a nova lei sobre ‘substâncias psicoativas’ nº 11.343, substituindo a antiga Lei 6.368 que estava em vigor desde 1976. A nova legislação trouxe avanços importantes, principalmente no que diz respeito ao tratamento dado aos consumidores de ‘drogas’ e na definição do que seja ‘prevenção ao abuso’, que agora está mais abrangente e contempla o conceito de ‘redução de danos’. A antiga Lei nº 6.368, fruto do período de repressão política atravessado pelo país durante a Ditadura Militar (1964-1985), não fazia distinções claras entre as figuras de ‘usuários’ e ‘traficantes’. Essa Lei previa pena de prisão de até 2 anos para usuários, independente das quantidades encontradas em sua posse e sujeitava à qualquer tipo de prática de ‘semear, cultivar, colher’ plantas psicoativas, às mesmas penas destinadas a traficantes. Além disso, historicamente o tráfico no Brasil sempre foi associado à violência e a jurisprudência procurou sanar os problemas associados ao tráfico aumentando as penas, e desde 1988 que práticas de comércio de substâncias psicoativas ilícitas são consideradas ‘crimes hediondos’, entrando na mesma categoria que homicídio, seqüestro, estupro, sendo passível de até 15 anos de prisão. A nova Lei, ainda que se mostre teoricamente mais tolerante, na prática ainda enfrenta o sério desafio de ser absorvida da forma como foi planejada para atuar pelos parlamentares que supostamente estariam representando os anseios dos seus eleitores. O que tem acontecido de fato é que muitos policiais, usuários, e até mesmo delegados, desconhecem os pormenores da legislação atualmente em vigor, ou muitas vezes ignoram sua existência, ainda atuando através das regras estabelecidas durante a vigência da antiga Lei, mas essa é uma realidade que vem mudando aos poucos.

Principais avanços da Lei 11.343

A situação dos indivíduos que consomem substâncias psicoativas é a retirada do encarceramento como possibilidade de pena para o porte de substâncias ilícitas que tenham como finalidade o consumo pessoal. O status ilícito do ato permanece, mas agora o porte para consumo pessoal é punível apenas com uma medida de caráter sócio-educativo, como serviços à comunidade, advertência, indicação para tratamento e multa. Essa mudança inclui também a alteração do status do plantio para consumo próprio que passa a ser interpretado como porte para uso pessoal, ou seja, também não é passível de encarceramento. A má notícia é que, para mostrar que ainda mantém o compromisso com a política do ‘War on Drugs’, os legisladores recrudesceram as penas para o comércio de substâncias ilícitas, que passa a poder chegar até 20 anos, e mantiveram penalidades de encarceramento para a prática de ‘doar, ou compartilhar, mesmo que para juntos consumirem’, o que pode vir a se tornar um foco de problemas, uma vez que o hábito de compartilhar os baseados em rodas-de-fumo é bastante difundido no país, e, ao que se sabe, o consumo de substâncias geralmente ocorre em ambiente sociais. “Isso desencoraja a prática de compartilhamento de colheitas, tão comum aos cultivadores de cannabis, o que não significa que seja tráfico, uma vez que não visa lucro, e coloca muitos de nós em situação de risco”, afirma um usuário brasileiro do site Growroom.

Por outro lado, o capítulo que dispõem sobre as práticas de prevenção ao uso define-as como formas de promover fatores de proteção e diminuir fatores causadores de risco. Assim, garantir acesso à informações a respeito da substância e assegurar espaços de convivência e troca de experiências para usuários de ‘drogas’ torna-se uma das maneiras menos custosas de fomentar essas condições de prevenção ao abuso e podem ser interpretadas como ações de redução de danos. “Não sei até que ponto os administradores de outros fóruns de convivência de usuários de drogas já refletiram sobre isso, mas os membros do Coletivo Growroom sempre entenderam que, ao manter a existência de um espaço no qual usuários podiam trocar experiências, socializar informações e discutir problemas, estava-mos atuando na melhoria das condições de vida desses indivíduos, ou seja, estávamos reduzindo danos”, afirma Alma Rastafari um dos administradores do Growroom. Ele completa: “é dentro dessa interpretação que procuramos agora trabalhar para oficializar o fórum enquanto uma iniciativa de redução de danos. Retiramos ele temporariamente do ar por causa do pedido feito pela polícia de Portugal, a respeito do site Horta da Couve. Ficamos assustados e achamos que seria melhor tirar do ar por um tempo e, aproveitando que coincidia com o período no qual a Lei estava sendo aprovada, resolvermos seguir a inspiração das associações espanholas e decidimos batalhar pela oficialização do movimento. No momento estamos terminando a confecção do Estatuto e buscando apoios no meio acadêmico, técnico-científico e político, que serão fundamentais para nos legitimar”.

O fato é que desde 1995 a Redução de Danos é política oficial do Ministério da Saúde brasileiro em relação ao tratamento dado aos usuários de drogas, mas só agora a legislação definiu esse conceito mais detalhadamente. Em todo caso, a Lei continua sendo uma referência normativa, uma abstração e é na prática que ela vai se firmando e ganhando os significados que definirão como será a sua aplicação na vida dos indivíduos e grupos sob os quais ela se debruça. No Brasil o consumo de maconha é amplamente popularizado, mas é estigmatizado e marginalizado na mesma proporção, e o seu uso é reprimido e denunciado com a mesma intensidade. Ou seja, ainda que a legislação tenha mudado e tenha trazido possibilidade de caminhos muito mais tolerantes, é necessário lembrar que, mesmo sem prever pena de prisão para consumo de drogas, na prática o contexto brasileiro ainda é muito diferente do Espanhol ou do de outro país onde a posse para uso pessoal não seja punível com encarceramento. Vamos aguardar com esperança que as práticas sejam alteradas ainda que superficialmente pelas novas definições jurídicas e que aos poucos possa ocorrer a transformação sugerida por um dos usuário do fórum brasileiro: “Meu consolo é que um dia tudo isso irá mudando aos poucos. Quem sabe agora o policial que se depare com uma cena envolvendo alguém fumando na praia, em uma praça ou em show qualquer, pense algumas vezes antes de se dar ao trabalho levar os ‘moleques’ para a delegacia, passar sua tarde fazendo um inquérito policial e depois ver eles ficarem soltos e pegarem penas de pintar uns muros ou ouvir uma bronca do juiz. Meu sonho é que, um dia eles prefiram virar a cara e seguir a caminhada até encontrar um criminoso de verdade, conscientes, como muitos já são, de que a maconha nunca deveria ter sido criminalizada”.

Que assim seja!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui sua opinião!