segunda-feira, 11 de maio de 2009

Pronto! Fumei um Ministro. E traguei...

Por Sergio Vidal,

Apesar dos esforços dos que ainda tentam seduzir a Constituição Brasileira e usá-la a seu modo, os indivíduos e instituições que se manifestam na Marcha da Maconha continuam comemorando o sucesso no país inteiro. Nossa Constituição pode ser uma jovem de pouco mais de 20 anos, mas já sabe muito bem quais caminhos quer seguir rumo a uma Democrácia plena. Apesar da estratégia adotada pelos Ministérios Públicos de Americana, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Juíz de Fora, João Pessoa, Salvador e São Paulo que conseguiram calar as manifestações em primeira instância, tem prevalescido o Estado Democrático de Direito.

Não conseguiram barrar as manifestações pacíficas, populares e democráticas que ocorreram em Belo Horizonte, Brasília, Florianópolis, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro, apenas 6 das 263 programadas em todo o mundo. Mas é bastante preocupante que tenham sido maior o número de cidades proibidas, já que o Brasil se declara internacionalmente como um país onde a Constituição, as Leis e os Direitos Humanos são respeitados plenamente.

A Marcha da Maconha é um evento organizado não apenas para discutir sobre seu uso enquanto droga psicoativa, mas também sobre os impactos associados à criminalização do uso e dos usuários, sobre a utilização da planta enquanto medicamento, sobre a industrialização e exploração econômica das partes não-psicoativas da planta. São reinvidicações que vão além do Direito a dispor do próprio corpo, mas têm relação com problemas sociais, políticos e econômicos atuais, com o debate sobre sustentabilidade, sobre diversidade cultural, direito à acesso à saúde e medicamentos, entre outros.

Os cidadãos e instituições envolvidos nesse movimento querem “ajudar a criar contextos sociais, políticos e culturais onde todos os cidadãos brasileiros possam se manifestar de forma livre e democrática a respeito das políticas e leis sobre drogas do país e exigir formas de elaboração e aplicação dessas políticas e leis que sejam mais transparente, justas, eficazes e pragmáticas, respeitando a cidadania, a diversidade e os Direitos Humanos”.

Os noticiários têm dado amplo destaque às mobilizações que estão ocorrendo em todo o país. O tema tem sido pautado em jornais, revistas, rádios, tvs e de forma muito mais acentuada na internet. Na blogosfera, nas comunidades de relacionamento e em diversos outros espaços virtuais o tema tem sido debatido com entusiasmo, mas muitas vezes com os mesmos preconceitos e polêmicas de sempre. Os debates públicos, seja no mundo on ou off line têm se espalhado como fumaça. O tema tem corrido o Brasil, sem que qualquer liminar possa barrar, esse essas discussões, revelando o poderoso papel que a Marcha da Maconha, frequentemente banalizada, rídicularizada e criminalizada, tem tido na construção do debate democratico no país.

Sendo assim, a Marcha tem conseguido cumprir com sucesso parte dos seus objetivos.

Em uma Democracia, os temas devem ser debatidos abertamente, sem preconceitos, às claras e sem qualquer tipo de censura, para que o a relação entre as políticas, as leis e a realidade social possa se ajustar da melhor forma possível. A maconha foi proibida na década de 1930 e se o tema é até hoje motivo de discussões, controvérsias e polêmicas será que é melhor abafar e censurar ou reabrir o debate público e ir à fundo na discussão sobre a questão?

Nesse esforço para tornar o debate público a Marcha conseguiu mais uma vez a participação de Carlos Minc, atualmente ocupando a função de Ministro do Meio Ambiente no Governo Lula. Minc fez da sua participação um discurso bastante lúcido e coerente com a realidade atual brasileira e mundial, tanto que conseguiu chamar atenção de um dos mais amados e odiados blogueiros - Reinaldo Azevedo.

Seu artigo, de título, “Tirem o colete de Minc e lhe metam uma camisa-de-força”, é simpático à opinião de que as políticas e leis proibicionistas são eficientes e devem ser intensificadas ainda mais. Sobre a participação do Minc, ele diz:

“Na prática, é como se o governo se mobilizasse contra uma lei que ele tem de fazer cumprir. E a presença de Minc na tal marcha se torna, então, um emblema do real comprometimento do governo com o combate às drogas.”

Eu digo:

É positivo que fíguras públicas que representem o governo adotem posturas e discursos mais alinhados o do CONAD - Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, órgão superior do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas. Um bom exemplo dessa postura mais pragmática e menos moralistas, adotada pelo CONAD e por outros políticos, representantes do governo ou não, é o pronunciamento do Ministro General Jorge Armando Felix, por ocasião da Reunião da ONU sobre drogas, em março desse ano. Podemos citar também o fato de que na última Reunião do Conselho foi aprovado um parecer que reconhece o erro cometido pela delegação brasileira em reuniões da ONU no passado, que tornam o país bastante responsável pelo atual status ilegal da planta no mundo, admitindo também que isso atrapalha as pesquisas científicas e o uso medicinal atualmente.

“A Cannabis aparece nos documentos de referência da ONU produzidos nas Convenções de 1961 e 1971 de maneira contraditória, além de cientificamente incorreta. [...] O Brasil teve papel fundamental na gênese dessa situação, na Convenção de 1924. Faz sentido que o Brasil busque correção de equívoco histórico que já perdura por quase um século”(Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, Março de 2009).

Reinaldo diz:

“O que Minc acha que aconteceria com a mão-de-obra criminosa que hoje se dedica ao narcotráfico? Estou afirmando que o governo não cumpre a sua parte na repressão ao tráfico de drogas e suas conseqüências, como o tráfico de armas.

Eu digo:

Eu não sei o que o Minc acha que aconteceria, mas eu e muitos outros pesquisadores da questão afirmam que a proibição não diminui o uso; O próprio CONAD, através do General Félix, admite
o fracasso e uma série de consequência negativas pela insistência na manutenção da Guerra às Drogas. O que o Minc afirmou é que o Estado e os parlamentares são sim, um dos principais responsavéis pelo apararelhamento do tráfico de drogas no Brasil porque permitem que o monopólio do comércio fique na mão deles. E, com suas palavras, falou o mesmo que o General Félix e o CONAD disseram, ao elencar consequências negativas da atual políticas de drogas mundial e afirmar o caratér irreal da sua principal meta - um mundo sem drogas.

Não é apenas falta de investimentos os motivos do fracasso da Guerra às Drogas. O principal motivo desse fracasso é a falta de adequação à realidade social. Esquecem que a maconha, por exemplo, não é uma planta com vontade própria, que corre atrás de pessoas que a cultive, colha e prepare para fumar. Nem muito menos se vê flores de maconha se enrolando em papel e se atirando na boca das pessoas por aí, em cigarros implorando para serem fumados. São os indivíduos, os cidadãos e cidadãs brasileiros que desde 1932 se recusam a admitir que a maconha seja realmente tão perigosa a ponto de que seu uso seja considerado crime.

Não está com isso se negando o fato de que os usuários têm uma parcela de culpa nisso tudo. Nem que os que compram da mão de traficantes que cometem outros crimes - a maioria, mas nem todos - têm uma parcela ainda maior. Mas, devemos admitir que por causa da Lei, atualmente a escolha é entre comprar, ou plantar para consumo próprio, o que continua sendo crime, e ainda correndo o risco de ser confundido com um cultivo para comércio.

As estatísticas do II Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, realizado em 2005, revelam que 8,8% dos brasileiros afirmou ter fumado maconha ao menos uma vez na vida, 2,6% ao menos 1 vez no ano da pesquisa e 1,9% pelo menos uma vez no mês em que a entrevista foi realizada. Nesse mesmo ano, segundo Relatório do Departamento Penitenciário Nacional, existiam 296.919 mil detentos em presídios, dividindo as 206.347 vagas existentes. À época estavam em vigor, as Leis 6.368, de 1976 e 10.409, de 2002, essa última não substituindo completamente a anterior por ter tido grande parte de seu conteúdo vetado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Esse quadro seria ainda mais grave se todas as quase 6 milhões de pessoas estimadas, que em 2005 afirmaram já ter fumado maconha ao menos uma vez na vida, tivessem sido alcançadas pelo sistema judicial. Esses dados ajudam a refletir sobre os objetivos concretamente alcançados e a eficácia real das leis e políticas públicas que priorizam a repressão às condutas de porte e cultivo sem intenção de comercializar. Mesmo que em suas origens tivessem a intenção de proteger a saúde individual e a ordem pública, atualmente essas estratégias têm conseguido apenas agravar os fatores causadores de danos e custos sociais associados ao mercado consumidor dos derivados da planta, obtendo pouco ou nenhum sucesso na diminuição do consumo.

São esses e outros brasileiros que, incoformados com as consequências das atuais políticas e leis sobre a maconha, atualmente lutam pelo direito de cultivar a planta para consumo próprio, de poder se organizar politicamente, de poderem exercer seu direito ao corpo sem afetarem a vida de nenhum outro cidadão. Quem conhece a fundo o debate da atualidade sobre a legalização da maconha sabe que essa discussão vai muito além da simplória dicotomia (liberação total X proibição total) reproduzido por aqueles que querem calar o debate franco e honesto com a sociedade brasileira.

Admitir a possibilidade de discutir publicamente reformas nas leis e políticas sobre a Cannabis sativa deveria há muito tempo ser agenda de governo. As principais democracias mundiais e vários países da América Latina como Argentina, Paraguaia, Chile, Colômbia já discutem a questõa há mais tempo que o Brasil. E o país precisa avançar muito em questões que ainda nem começou a debater.

A Marcha da Maconha tem conseguido mudar ao menos o contexto sobre o debate a respeito da legalização. Apesar do sucesso do grupo ao promover o debate mais uma vez esse ano, precisamos estar atentos aos estados onde a Democracia foi calada, pois revelam a existência de um Brasil tão atrasado que ainda está discutindo se é o não Direito Constitucional manifestar publicamente uma opinião sobre as políticas e leis sobre drogas.

Concluo essa reflexão admitindo que, se não continuarmos alimentando essa discussão e não cobrarmos maior participação de governantes, políticos, artistas, intelectuais e de toda a sociedade brasileira, correremos o risco de ver acontecer o que nos sugere Reinaldo Azevedo…

“Por aqui, não vai acontecer nada. Ou melhor, vai: as drogas continuarão proibidas; a polícia continuará corrompida; o estado continuará omisso; 50 mil pessoas continuarão a ser assassinadas todo ano; os Mincs da vida continuarão a ir a marchas da maconha…

Opa… Mas pera lá! O Minc não foi à Marcha? Isso para mim já é uma forma da referida omissão, manifestar um posicionamento. O Ministro, ao contrário de muitas figuras públicas honrou as posições políticas históricas que sempre teve. Tudo bem que já poderia estar desenvolvendo o debate sobre o cânhamo, sustentabilidade e exploração econômica e industrial dentro do governo. Mas ao menos admitiu que é favorável à legalização e ao debate.

Parece que ainda há esperança no Brasil e que o contexto é cada vez mais favorável ao debate e ao diálogo. Agora, imaginemos se cada brasileiro e brasileira que tem um parente, amigo, vizinho ou conhecido usuário de maconha, de forma socialmente integrada ou não, mas que sabe que o uso faz menos mal do que considerar a pessoa um criminoso fosse às ruas Marchar? Manifestar sua opinião sobre a criminalização da planta… Exigir maior participação na elaboração das políticas e leis… Exigir maior transparência nos processos decisórios… etc…

Seria ótimo ter mais manifestações públicas sobre o tema. Ver o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, o ex-Ministro Gil e outras personalidades locais que sempre apoiaram a legalização na Marcha de Salvador, dia 31. Seria muito bom ver os Ministros Temporão e Tarso Genro, citados por Minc, e outros políticos, parlamentares, personalidades e cidadãos nas outras Marchas que ocorrerão no Brasil nesse mesmo dia. Ou manifestando publicamente sua opinião a respeito, para minimamente sair da acusação de omissão, levantada por Reinaldo.

Mas isso só depende de cada um deles e de nós todos, quando passarmos a assumir o compromisso real que cada um tem consigo mesmo e com a sociedade na qual vive. Não basta dizer que a culpa é dos usuários, dos traficantes ou do Estado, cruzar os braços e dizer que não tem nada haver com isso. A omissão não atinge só a governantes, políticos… Atinge todos nós.

As leis e políticas sobre drogas afetam a vida de todos e devem ser do interesse de todos os cidadãos e cidadãs brasileiros. Assim como também deve ser do interesse de todos que seja assegurado o direito à livre manifestação de opiniões sobre o assunto.

Parabéns ao Minc, pela coragem, e a todos os organizadores e manifestantes das Marchas da Maconha no Brasil, pelo belíssimo show de democracia e civilidade.

Ah, e ao contrário do Reinaldo, não acho que ele deva trocar os coletes, nem as idéias que tem a respeito do tema. A não ser pela Faixa Presidencial e por um debate ainda mais amplo sobre a questão.

Pronto! Fumei um Ministro. E traguei..

Um comentário:

  1. Excelente! O trecho "Nem muito menos se vê flores de maconha se enrolando em papel e se atirando na boca das pessoas por aí, em cigarros implorando para serem fumados" é sensacional! Parabéns.

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