quinta-feira, 16 de abril de 2009

Os próximos 10 anos de políticas sobre drogas

Por, Sergio Vidal,

Em março uma tradição política bastante recente na história da humanidade se repetiu. Representantes dos países signatários dos Tratados Internacionais sobre drogas, incluindo o Brasil, se reuniram na 52ª Sessão Especial das Nações Unidas sobre o tema das Drogas (UNGASS) onde avaliaram os avanços nos objetivos e metas acordados no último encontro, em 1998, e propuseram um novo acordo para os próximos 10 anos.

Essa foi uma importante oportunidade de revermos os erros cometidos no passado e discutir políticas sobre drogas que sejam realmente justas, humanitárias e eficazes. Mas será que avaliarmos apenas os últimos 10 anos da experiência da humanidade com as drogas foi suficiente para planejarmos um futuro melhor?

Uma leitura atenta da história revela que, apesar do uso de plantas e drogas psicoativas ser uma presença constante em quase toda a trajetória humana na terra, somente a partir do final do séc. XIX, após a Guerra do Ópio, surgiram os encontros internacionais para discutir o tema. Inicialmente a intenção era criar regras claras que regulassem a produção e o comércio internacional, mas em pouco tempo esses encontros passaram a propor políticas e leis cada vez mais restritivas e abarcar um número maior de plantas e substâncias.

Os tratados passaram a ser usados para justificar legislações que criminalizavam não só algumas plantas e substâncias, mas as populações que tradicionalmente sempre fizeram uso delas. Assim, uma iniciativa que começou com a intenção de acabar com os conflitos sobre o tema tornou-se um dos principais espaços de disputa de poder e legitimidade sobre a questão. Ao invés de equacionar os embates, apenas tornou o acesso à ‘arena’ mais restrito, distanciando ainda mais os responsáveis por tomar as decisões daqueles que sofrem suas conseqüências.

O que inicialmente deveria ser um espaço para discutir soluções criativas de regulação do mercado tornou-se apenas um lócus onde se aprova ou não a ampliação do leque de substâncias e plantas proibidas. A maconha é um bom exemplo para refletirmos sobre como tem sido esse processo de ampliação do repertório proibicionista e entender que é preciso uma mirada mais profunda no passado para podermos enfrentar honestamente nossos equívocos históricos.

Apesar de ser uma das plantas mais antigas utilizadas pela humanidade, as primeiras Reuniões Internacionais sobre drogas nem sequer a incluíam na pauta de discussões. Na Reunião de 1924, Brasil, Egito, Grécia e alguns outros países cujos governantes tinham interesses em proibir a maconha iniciaram uma campanha para que ela também fosse considerada perigosa e incluída na lista de proscrições. Sob pressão, uma Comissão especial foi criada para analisar a matéria.

Na década de 1930, alguns países, a exemplo do Brasil (1932) e EUA (1937) criaram leis federais banindo seu uso. Desde então, passaram a pressionar para que os Tratados Internacionais incluíssem a Cannabis sativa, o que só foi conseguido na Convenção Única de Entorpecentes, em 1961, que continua sendo a principal base para as políticas e leis nacionais e internacionais.

É importante ressaltar que a participação da delegação brasileira nesse encontro, ao expor dados sobre os perigos da maconha no país, contrariou os dados clínicos e científicos que existiam no país. Até mesmo um relatório publicado por encomenda do Governo Brasileiro em 1959 sobre a planta foi desconsiderado. Ou seja, a delegação brasileira, queremos crer que por imprudência ou imperícia, levou dados equivocados sobre a planta para um Encontro Internacional. Esses dados foram utilizados para equiparar a maconha à heroína e outros opiáceos, drogas incluídas na Lista IV, justificando uma decisão que influência até hoje as leis de diversos países, incluindo o Brasil.

A história da maconha e da sua proibição no Brasil e no mundo é cheia de capítulos obscuros. Não é possível precisar ao certo como uma planta que foi cultivada em todo o mundo e considerada econômica e socialmente importantíssima passou a ser perseguida política e legalmente. Especificamente no Brasil, é difícil entender como uma planta cultivada oficialmente pela Coroa Portuguesa e disseminada em todo o país e que teve seu uso difundido e tolerado passou a ser estigmatizada e criminalizada.

É possível ver nesses processos indícios de racismo, etnocentrismo, xenofobia, autoritarismo e muitos outros ‘ismos’ que sabemos tão perniciosos aos processos democráticos e à vida em sociedade, nos dando algumas pistas dos interesses por trás disso tudo. Porém, a única certeza é de que os atores políticos envolvidos direta ou indiretamente nas posições oficiais dos países que participaram dessas reuniões internacionais são responsáveis pela situação atual na qual estamos.

O proibicionismo, ou seja, as políticas que usam de forma extrema e perniciosa a proibição enquanto regra é uma criação dos Encontros Internacionais e das suas conseqüências nas legislações de cada país. Acredito realmente que os representantes de cada país, tanto no passado quanto atualmente queiram o melhor para suas nações e para o mundo, mas as boas intenções iniciais de regular o mercado para que ele não causasse danos aos indivíduos nem à sociedade foram esquecidas em algum momento no passado. As trocamos por uma ilusão coletiva de que a melhor forma de lidar com as drogas e com as pessoas que as consomem é publicar decretos proibindo suas existências e ampliar as maneiras e intensidades de punir aqueles que insistem em não se encaixar nesse mundo utópico.

Ao privar-nos da oportunidade de discutir regras que realmente sejam capazes de manter a produção e o consumo sobre controle, criamos ou alimentamos problemas sociais como a corrupção generalizada, a violência rural e urbana, entre outros. Ao esquecermos-nos das nossas boas intenções originais, esquecemos também que políticas e leis sobre drogas não podem causar danos mais graves à sociedade ou aos indivíduos do que o uso das drogas em si.

Após muitas discussões e a exposição dos representantes de cada país, a UNGASS foi encerrada com duas conclusões a meu ver contraditórias. Foi admitido que a “Guerras as Drogas”, da forma como vem sendo empreendida não tem conseguido acabar ou diminuir com o consumo e a produção, como havia sido acordado na última Reunião. No entanto, ficou decido que serão mantidos os esforços para erradicar o consumo e a produção e nenhuma alternativa a esse modelo foi proposta.

Ao deter sua análise sobre apenas os últimos 10 anos os países que foram à Reunião limitaram suas perspectivas. Estão baseando a realidade futura em uma ilusão muito recente, causada por uma série de equívocos que devem ser detalhados e corrigidos. Teria valido a pena quebrar um pouco o protocolo e proposto uma análise minuciosa não só dos últimos 10 anos, mas de toda a história dessas Reuniões. Certamente muitas das certezas que temos hoje perderão o sentido e muitas das nossas dúvidas serão esclarecidas. Para muitos essa pode parecer uma posição tão radical quanto discutir apenas com base nos extremos ‘proibição total’ ou ‘liberação geral’, mas talvez, e acredito firmemente nessa posição, essa fosse a única forma realmente honesta, digna e eficaz de planejar os próximos 10 anos de políticas e leis sobre drogas.



Sergio Vidal cursa o Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidae Federal da Bahia, é redutor de danos, pesquisador e Titular do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas representando a União Nacional dos Estudantes.

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