sábado, 13 de agosto de 2016

10 anos da Lei 11.343 e as possibilidades legais para a maconha medicinal no Brasil


O Brasil é um país com características administrativas muito peculiares, para dizer o mínimo. Isso faz com que entre outras coisas, muitas vezes uma Lei seja aprovada e não seja colocada em prática ou, em alguns casos, jamais chegue sequer a ser regulamentada plenamente. Curiosamente um dos exemplos desse tipo de situação é justamente a Lei 11.343, chamada Lei de drogas, que em outubro deste ano completa 10 anos em vigor. Algumas pessoas conhecem algumas das alterações promovidas por essa Lei, como a extinção da pena de prisão para condutas relacionadas com o consumo pessoal (porte, plantio, preparo etc, de pequena quantidade), mas poucos sabem que, entre outras coisas, a Lei 11.343 também legalizou os usos medicinais e científicos da cannabis sativa e outras plantas e substâncias. Isso mesmos, desde 2006 que a maconha medicinal é legalizada no Brasil. No entanto, somente a partir de 2014 é que essa legalização passou a ser regulamentada, mas ainda dê maneira muito limitada. Vamos entender um pouco mais dessa história e como isso funciona mais abaixo.


Regulamentação ≠ Legalização

Apesar de muitos utilizarem de forma equivocada as expressões legalização e regulamentação como sinônimos, porém na realidade têm significados muito distintos. Legalização é quando se cria uma ou mais leis que tratam sobre um determinando assunto, geralmente elas descrevem situações e impõem sanções para o descumprimento de algumas regras. Porém, as Leis sempre funcionam se relacionando com outros documentos que regulamentam seu funcionamento prático. Para que tais leis possam ser utilizadas no dia a dia da sociedade são necessários outros documentos e procedimentos administrativos, como Decretos, Portarias, Protocolos de órgãos específicos de órgãos do Estado Federal, Estaduais e Municipais, de acordo com cada especificidade. Esse segundo momento, no qual uma Lei será posta em prática frente a realidade e irá ser incorporada ao cotidiano do Estado e da sociedade civil é chamado “regulamentação”, no qual todos os outros documentos e procedimentos são desenvolvidos para tornar a Lei um instrumento funcional e eficiente a serviço de todos os cidadãos.

Segundo a lei 11.343, sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – ninguém no Brasil pode semear, cultivar, beneficiar, importar ou fazer qualquer tipo de uso da maconha ou dos seus derivados. É portanto a ANVISA o órgão determinado para criar os protocolos e regulamentos para os procedimentos relacionados com os usos legais da cannabis. Em termos administrativos a ANVISA é vinculada ao Ministério da Saúde, porém mantém uma independência administrativa e segundo o próprio site do órgão: “A finalidade institucional da Agência é promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados”.

As “mães do CBD” e o início da regulamentação da Lei 11.343

Apesar da lei em vigor desde 2006 vivemos um vácuo administrativo com relação a regulamentação da maconha medicinal no Brasil. Grande parte do movimento antiproibicionista conhecia muito bem a lei 11.343, sabendo inclusive que havia espaço para lutar pela regulamentação dos usos medicinais das pesquisas científicas. No entanto, havia desconhecimento de como atuar para que a regulamentação ocorresse. Durante anos foi discutido se a melhor estratégia seria pressionar apenas através de ações contra o executivo e legislativo, ou se deveria ser investido também no diálogo com a ANVISA ou mesmo com o CONAD (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas). Porém, somente no início de 2014, após o lançamento do curta Ilegal, do jornalista Tarso Araújo, que discutia o caso da luta da família da garota Anny Fischer é que outras pessoas tomaram conhecimento da possibilidade legal de acesso a maconha medicinal e começou a tomar forma um movimento que ficou conhecido como as “mães do CBD”, formado por pais, mães e demais familiares de pacientes crianças, em sua maioria portadores de epilepsia de difícil controle, também conhecida como epilepsia refratária. Essas pessoas começaram a formar uma rede de pacientes que passou a pressionar a ANVISA exigindo a regulamentação ao menos dosc procedimentos relacionados com a importação de medicamento pronto. Após meses de luta a Agência finalmente desenvolveu os protocolos necessários passando a autorizar a importação de extratos de cannabis contendo apenas CBD, ou que tivessem no máximo 1% de THC.

A primeira paciente a receber autorização através de uma liminar na justiça para importarr extrato de cannabis foi Anny Fischer, uma criança de Brasília, em 3 de abril de 2014. Depois dela, centenas de pessoas conseguiram autorização para importar medicamentos. Porém, não temos notícia de nenhuma empresa ou instituição que tenha sido autorizada a produzir no país o que prova o quão limitada foi a regulamentação conseguida.

Potencial da Maconha Medicinal no Brasil

Atualmente um cidadão brasileiro que necessite fazer uso de extratos de cannabis ou medicamentos derivados da planta encontra um cenário bastante restrito, mas atualmente com um potencial muito grande. Poucos países no mundo têm uma lei como a 11.343, dizendo que o Estado pode autorizar o uso medicinal e as pesquisas científicas com a cannabis e outras drogas. No entanto, demoramos muito para começar a pressionar o Estado da maneira correta. A demanda das “mães do CBD” demonstrou o poder da pressão popular ao conseguir em 1 ano o avanço que não havíamos conseguido de 2006 a 2014. Isso demonstrou que o que falta realmente é organização para utilizar o espaço legal possível e explorar o potencial do cenário legal do uso medicinal e das pesquisas científicas. Mas quais são as possibilidades?

Utilização de medicamentos só podem ser feitas por pacientes. Qualquer pessoa portadora de alguma doença, enfermidade ou sintoma que possa ser tratada com extratos de cannabis ou medicamentos derivados da planta podem requerer a seus médicos uma recomendação para uso. No entanto, irão encontrar um cenário sem produtores ou distribuidores nacionais, sendo obrigados a importar tudo que forem consumir, já que não há esse tipo de medicamento disponível em nenhuma farmácia ainda.

Empresas, cooperativas, instituições sem fins lucrativos e outras formas de organização que possuam Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), podem requerer autorização à ANVISA e se tornarem produtores das flores e extratos in natura, ou de medicamentos derivados da planta. Atualmente existe uma demanda enorme de pacientes precisando de medicamentos e extratos da planta e tendo que importar a custos altíssimos, algo que poderia ser produzido e distribuído no Brasil com custos bem menores para os pacientes e gerando inúmeros empregos diretos e indiretos em território nacional.

Uso industrial não-medicinal

Para concluir não poderia deixar de falar do uso industrial do cânhamo (nome dado à maconha quando é cultivada para extrair fibras, quando são usadas linhagens que produzem quase 0% THC). Esse tipo de indústria não é previsto pela Lei 11.343, e é previsto como legal segundo as Convenções Internacionais sobre Drogas. Diversas empresas e pequenos proprietários têm utilizado essa brecha e ganho judicialmente causas no mundo inteiro, pois o Tratado Internacional faz uma ressalva sobre o cânhamo, permitindo o a exploração industrial das cepas não-psicoativas da maconha, cujas fibras dos caules e os nutrientes das sementes podem ser utilizadas como matéria-prima em diferentes ramos da indústria. China, Rússia, Alemanha, Suíça, Suécia, Holanda, Espanha, E.U.A., Chile são apenas alguns dos países que atualmente cultivam cânhamo para explorar o potencial econômico da planta e em muitos deles o uso recreativo da maconha continua proibido, alguns punindo o consumo com penas bastante severas como a China, o maior produtor de cânhamo do mundo. No Brasil nenhum fazendeiro ou empresário se arriscou ainda, mas já é hora de alguém investir um pouco num requerimento especial à ANVISA para cultivar linhagens de maconha com quase 0% de THC, e explorar esse mercado por aqui, e se a ANVISA não der a autorização, entrar com um processo na Justiça. O Brasil já foi um dos maiores exportadores de cânhamo, entre 1790 até pouco antes da maconha começar a sofrer uma campanha de difamação e associação com a criminalidade e finalmente ser proibida em todo país, em 1932. Clima e terras livres não faltam, nem tampouco as brechas na Lei e no Tratado Internacional que dão o lastro legal para a prática, basta disposição e investimento. Esse caminho pode ser tentado tanto por empresas como por Associações sem interesse econômico.

Um comentário:

  1. Sérgio , Vamos montar então uma associação sem interesse econômico e conseguimos plantar pra quem quer medicinalmente...será que dá??? eu tópo......

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