“Eu morreria feliz se eu visse o Brasil cheio em seu tempo histórico de marchas. Marchas dos que não tem escola; marcha dos reprovados; marcha dos que querem amar e não podem; marcha dos que se recusam a uma obediência serviu; marchas dos que se rebelam, marcha dos que querem ser e são proibidos de ser.” (Paulo Freire).
Em 1946, a Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes, órgão do Governo Federal realizou o chamado Convênio Interestadual da Maconha, na cidade de Salvador. Apesar do cunho proibicionista dos debates, considerados por alguns historiadores como marcos fundadores da Guerra à Maconha no Brasil, o nome oficial do evento trazia em si exatamente este esse termo: “da Maconha”, mostrando que a expressão deve ser entendida como um evento “sobre a maconha”, e não “em favor”, ou “pró maconha”, ou pode até mesmo significar um evento de cunho “anti-maconha”, como no caso do citado Convênio. Em 2008 e 2009, eu e muitos outros organizadores das Marchas da Maconha em diversas cidades do país tivemos que prestar esclarecimentos à sociedade, autoridades e até mesmo à polícia, em alguns casos, sobre o motivo de termos escolhido a expressão Marcha “da Maconha”, uma vez que afirmávamos não fazer apologia às maconha, outras drogas, ou ao crime.
Ao argumentar para outros ativistas a necessidade política de manter o nome “Marcha da Maconha”, sempre afirmei que justamente por ser a palavra “maconha” tão carregada de estigmas, deveríamos persistir em usá-la até que algumas das idéias a seu respeito fossem debatidas e modificadas. Essa discussão não foi algo fácil dentro do movimento e não foram poucos os momentos em que as “Marchas” quase tiveram seus títulos modificados, em nome da adequação a algo mais “politicamente correto”, para nomes como “Marcha pela legalização da Maconha”, “Marcha da Cannabis” ou “Passeata Verde”.
Realmente, poderíamos ter escolhido “Marcha da Erva”, do “Dirijo”, da “Diamba”, da “Suruma” ou qualquer uma das inúmeras denominações que a planta tem pelo mundo afora, afinal, trata-se de um evento de cunho político/cultural sobre esta planta conhecida por uma infinidade de nomes e apelidos. No entanto, consideramos que seria importante reafirmar o fato de que “Maconha” também é um dos nomes mais conhecidos para referir-se, no Brasil, à planta cujas possibilidades de usos nos propomos discutir. Sempre persisti, em parte por convicção ideológica, em parte por teimosia, que só poderíamos abrir mão do nome “Marcha da Maconha”, quando já não fossemos criminalizados ou deslegitimados por o termos adotado.
Acreditava que, ainda que boa parte da sociedade ficasse chocada com o nome, aos poucos, se demonstrássemos a seriedade do nosso trabalho, o nome deixaria de ser tão importante, ao menos para a Justiça. E assim aconteceu, pois no dia 1º de setembro deste ano, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia nos deu uma prova de que essa escolha fazia algum sentido. Diante dos argumentos do Habeas Corpus impetrado no final de maio, o Tribunal de Justiça concedeu um Salvo Conduto para realizar o evento “Marcha da Maconha Salvador”, legitimando que a manifestação poderia usar esse nome, desde que seja organizada para os fins lícitos a que sempre se propôs.
Ficou claro com essa decisão que a Marcha da Maconha Salvador, que ocorrerá no próximo sábado, dia 5/12, não será um evento de cunho apologético. Esse tipo de manifestação, na verdade, deve ser vista e entendida sempre como uma reivindicação por uma cidadania plena, com direitos, deveres e responsabilidades. Com essa vitória, somada às de outras cidades como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, e às ADPF e ADIN sobre as Marchas que tramitam no Supremo Tribunal Federal no momento, podemos afirmar que ativistas têm conseguido mais do que o direito de manifestar idéias e opiniões, mas o direito também de manifestá-las de formas livres, mesmo que essas desagradem ideológica ou moralmente uma parte da sociedade.
Apesar das censuras, da criminalização, das perseguições e de muitos outros problemas, tudo valeu a pena, na medida em que está sendo criado um contexto, senão mais favorável política ou socialmente, ao menos mais seguro juridicamente para todos os brasileiros e brasileiras que discordam da forma como atualmente são elaboradas e aplicadas
as políticas e leis sobre a maconha e outras drogas. No fundo, não são manifestações como as “Marchas da Maconha” que atingem de forma nefasta a Democracia Brasileira, mas sim ações de censura, autoritarismo, abuso de poder e cerceamento de direitos fundamentais, por parte das autoridades, cujo dever seria, justamente, preservar os direitos de cidadania, mesmo que não se concorde com as reivindicações, desde que sejam feitas dentro das normas legais, como no caso das Marchas.
As Marchas apenas cumprem seu papel de serem espaços onde os cidadãos podem questionar as Leis sobre drogas e manifestar suas opiniões a respeito, dentro das regras do Estado Democrático de Direito estabelecido no país. Esse papel elas têm cumprido muito bem.
É isso aí, meus parabéns ao pessoal do Ananda, pelo ativismo, atitude, força de vontade e determinação para que a marcha aconteça de fato no próximo dia 05/12/09 em Salvador.
ResponderExcluirBoa sorte a todos que participarem, que a ação tenha um impacto de quebra de paradigma em boa parte da sociedade, e que a partir desta, venham muitas outras, e que passe de uma ação, para um movimento ativista constante.
Um forte abraço.