quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Entrevista: Laura Santos

Dando seguimento à sessão de entrevista do Observatório, apresentamos uma conversa realizada através de email com a historiadora Laura Santos. Laura é licenciada e mestre em História pela Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de ensino e pesquisa, com ênfase em História do Brasil, História da Bahia, atuando principalmente nos seguintes temas: ciência, medicina, práticas de cura, plantas medicinais e século XIX. Para ver o Currículo de Laura: Clique Aqui
Observatório da Cannabis:
Você defendeu recentemente uma dissertação de mestrado que abarcava o tema das práticas de cura no Brasil do séc. XIX, discutindo a relação entre os saberes produzidos pelos profissionais institucionalizados e os terapeutas populares. Você pode nos falar um pouco mais sobre sua pesquisa?

Laura Santos:
A pesquisa buscou analisar aspectos acerca da presença, saberes e usos de plantas medicinais no início do século XIX em Salvador, mostrando a circulação de saberes conceituados como “populares” e “acadêmicos”. Para isso tive como ponto de partida e norteador das questões levantadas e discussões feitas o estudo da trajetória e atividades desenvolvidas por um viajante brasileiro, de nome Antônio Moniz de Souza, que no período citado, adquiriu conhecimentos de botânica em uma instituição religiosa, ou seja, de acordo com o que era considerado científico na época, e passou a fazer viagens por várias localidades do Brasil, com ênfase para a Bahia, e iniciou um trabalho de observação, catalogação, coleta e fornecimento de drogas vegetais medicinais para médicos, boticários e farmacêuticos, e também para instituições de pesquisa científica, como o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. E através desse viajante, que estabeleceu contatos diversos, com populações indígenas e sertanejas, sobretudo, e obteve informações sobre seus conhecimentos acerca das plantas medicinais, pude evidenciar uma maneira pela qual esses conhecimentos circulavam na sociedade da época e chegavam aos meios científicos.
O. C.:
A idéia que se tem atualmente é de que esses universos eram bastante distantes e contraditórios. Que tipo de relação entre esses atores você encontrou em sua pesquisa?
L.S.:
Pude verificar, que na época, as fronteiras entre esses saberes eram bastante fluídas e sem tamanha rigidez. Apesar de ser um período onde se iniciou um crescente processo de institucionalização, regulamentação e hierarquização das artes de curar, nesse momento, os saberes ditos populares eram considerados válidos e aceitos em vários momentos e como pudemos ver, chegavam aos meios acadêmicos e foram muitas vezes incorporados.

O.C.:
Em sua dissertação, podemos ver que era amplamente difundido o uso de plantas medicinais não só entre os terapeutas populares, mas também dentro da academia. Podemos dizer então que os médicos reconheciam o trabalho desses terapeutas, ou o que havia era uma expropriação desses saberes 'nativos'?
L.S.:
Ao meu ver, podemos inferir que os conhecimentos e práticas desses terapeutas eram validados e muitas vezes utilizados, num processo de circulação extremamente dinâmica de saberes. Porém, é preciso fazer a ressalva de que mesmo que tais práticas muitas vezes fossem utilizadas, cada vez mais o universo simbólico que fazia parte delas era desqualificado, num contexto de cientificismo, onde se buscava o pragmatismo e a racionalidade da Ilustração.
O.C.:
Sua dissertação foca a análise na figura do Antônio Moniz de Souza, um viajante baiano. Geralmente a historiografia valoriza mais os viajantes estrangeiros, ou os trabalhos realizados por pesquisadores das regiões sul e sudeste. Você pode nos falar mais sobre a importância dos trabalhos de Antônio Moniz para a medicina dessa época?
L.S.:
Com certeza, resgatar a trajetória e as atividades desenvolvidas por Antônio Moniz é de grande relevância para o entendimento sobre diversas características da ciência e das práticas de cura na época estudada. Através dele, foi possível discutir a questão da presença e usos das plantas medicinais, principalmente nos espaços acadêmicos e verificar também aspectos acerca de como se dava as coletas, os estudos, quem eram os agentes sociais envolvidos e a abrangência disso no período.

O.C.:
Como você vê essa negligência de uma parte da historiografia brasileira para com os atores nacionais, mais especificamente do nordeste?
L.S:
Acho importante que os pesquisadores, principalmente os jovens, procurem cada vez mais suprir essa lacuna na historiografia, e busquem trazer à tona questões importantes acerca da história e cultura brasileira, com estudos que não priorizem apenas o eixo sul-sudeste, uma vez que, com certeza, ainda há muito para se descobrir e contar sobre o norte e nordeste do Brasil, sobre brasileiros e brasileiras que estão, sem dúvida inseridos no fazer histórico.

O.C.:
Gostaria de concluir com uma pergunta ligada a meus interesses de pesquisa. Sei que não é o foco da sua pesquisa, mas já li que nessa época estudada por você havia usos medicinais de plantas e substâncias que atualmente são proibidas, como a papoula e o ópio. Durante a sua pesquisa você encontrou alguma informação sobre isso que possa citar para nós?
L.S.:
Este é um aspecto bastante interessante da pesquisa. Apesar disso não ser o foco principal, pude verificar, sem dúvida, uma grande presença de plantas hoje proibidas, e consideradas psicoativas, nas práticas de cura do período. Evidenciei isso em listas de remédios encontradas, e em manuais médicos do período, principalmente, onde essas plantas aparecem em receitas e prescrições diversas.

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