terça-feira, 8 de abril de 2008

NOTA PELO RESPEITO A DEMOCRACIA E LIBERDADE NOS DEBATES SOBRE POLÍTICAS E LEIS SOBRE DROGAS

“14Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus
que nenhuma coisa é de si mesma imunda
a não ser para aquele que a tem por imunda;
para esse é imunda”
Epístola de Paulo aos Romanos:
Cap. 14; Vers. 14

A Ananda – Associação Interdisciplinar de Estudos sobre Plantas Cannabaceae vem através desta nota-pública prestar solidariedade e apoio às pessoas vitimadas pelos fatos ocorridos na tentativa de exibição do documentário “Grass”, no último dia 03/04, na UFMG. Lamentamos a forma como a direção da unidade vetou a exibição do documentário, mas principalmente a forma como atuaram no ímpeto de levar às últimas conseqüências a missão de impedir o debate em torno do tema do filme: As origens e os processos históricos da manutenção injusta da proibição da maconha.


Repudiamos a forma repressora como os fatos foram conduzidos, mas acreditamos que as atitudes tomadas pelas autoridades policiais que foram ao local não são consenso dentro de todas as corporações policiais de Minas Gerais, muito menos em todo o país e em outros setores da sociedade. Apesar de ser uma jovem democracia, outros eventos que criam espaço para discussões em torno da legalização da maconha ocorrem no Brasil desde a década de 1980. As experiências do Coletivo Marcha da Maconha Brasil no ano passado são um bom exemplo disso: No Rio de Janeiro houve uma grande caminhada com pessoas portando faixas, cartazes e aconteceu até um concurso de fantasias (a Polícia Militar esteve presente, como em outros tipos de manifestações públicas, ajudando a manter a ordem, a desviar o trânsito e garantindo a segurança dos participantes e da comunidade); em Salvador ocorreu o Seminário “Maconha na Roda”: Políticas Públicas em diálogo com a Sociedade Civil, que contou com um público de mais de 300 pessoas em 2 dias de discussões sobre o tema, incluindo uma sessão comentada do filme “Grass” (o Evento contou com o apoio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, além do GIESP – Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Substâncias Psicoativas e outras instituições, que cedeu a sala e o material para exibição do vídeo, ocorrendo sem qualquer tipo de contratempo). Em outras cidades como Porto Alegre, ocorreram debates e em diversas cidades algumas pessoas se reuniram para lembrar o dia e iniciar articulações para a construção do um núcleo do movimento em suas cidades.

Além disso, é sempre bom lembrar que vivemos na “era da informação”. É muito fácil e amplo o acesso a pesquisas, livros, revistas e outros tipos de informações sobre os verdadeiros perigos da maconha, sobre os reais motivos da proibição e principalmente sobre as experiências legislativas e políticas sobre o tema em outros países. 30 minutos gastos num site de busca e qualquer pessoa empenhada descobre que as opiniões sobre os danos provocados pela Cannabis são bastante divergentes entre si e que não há consenso sobre as informações geralmente utilizadas para justificar a manutenção da proibição. Também é possível descobrir informações a respeito do fato de que tanto no Brasil, como nos EUA e em outros países dados científicos foram manipulados para justificar a proibição na década de 1930, apesar da reação de muitos setores ligados à profissionais de farmácia e medicina. A cada dia que passa fica mais explicito a toda sociedade e também às pessoas que precisam trabalhar na “Guerra às Drogas” que em uma guerra todos saem perdendo, mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis. Fica cada vez mais difícil sustentar o discurso monolítico de que a única forma de prevenir os possíveis perigos da maconha seja tornando as pessoas que queiram usá-la criminosas e acreditando que um dia o mercado vai deixar de existir por si mesmo.


Não se trata de afirmar que a maconha não faz mal, isso seria um absurdo, já que qualquer coisa se mal utilizada pode ser prejudicial não só a quem faz uso, mas também a sociedade da qual faz parte. Porém, acreditamos ser muito mais danoso para a sociedade uma política pública baseada no princípio de qualquer pessoa flagrada consumindo maconha em qualquer circunstância, além de precisar de ajuda forçada, também deve ser considerada “inimiga da sociedade normal” e ser mantida como criminosa.


Tornar a maconha uma planta ilegal não diminuiu seu consumo nem acabou com o mercado, apenas empurrou o negócio para a mão de criminosos profissionais, criou espaços de corrupção na sociedade e em suas instituições, tornou praticamente inexistente o diálogo entre as pessoas que usam maconha e os agentes de saúde pública e desvia a função de agentes públicos dos setores do sistema de justiça e policial ao os obrigar a darem atenção a uma questão que deveria majoritariamente ser tratada através do sistema de saúde. Se os objetivos da proibição e da repressão ao uso eram a dar o melhor do aparato estatal na manutenção da ordem e da saúde tanto para o bem da sociedade como dos indivíduos os esforços têm sido contra produtivos.

A proibição foi criada na década de 1930, quando não a ciência não saia quase nada da planta, apenas reconheciam que eram grupos restritos da sociedade que faziam uso (negros, índios, mestiços, pobres, marginalizados, etc.). Isso foi o suficiente para manipularem os dados e proibirem-na a todo custo, mesmo que de 1932 até hoje isso só tenha servido para levar as tensões sociais a níveis extremos. Em 2008, dezenas de pesquisas, inclusive com cientistas brasileiros, trazem dados que mudam completamente o que se falava até então sobre a planta, afirmando que ela não apenas pode ser usada de forma segura, como tem propriedades medicinais, além de diversos utilidades industriais.

Hoje, existe uma quantidade de informações sobre a história, a farmacologia e botânica e outros aspectos da planta Cannabis sativa como nunca existiu em nenhuma época da história humana, e não são apenas grupos minoritários os que consomem a planta e seus derivados. Mas será que ainda é mais possível se esconder do que esse conhecimento revela?

Os dados e os discursos já foram demasiadamente manipulados ao longo da história para forjar uma falsa-realidade sobre a maconha e enganar a opinião pública. São quase 100 anos no qual reproduzimos quase sem reflexão a crença de que a maconha era proibida para proteger a saúde da sociedade, apesar de ser baseada em falsas informações. Todo discurso contrário a isso era considerado herético e digno de por em risco a estrutura social, já que colocava em cheque a legitimidade da origem de uma decisão política que aparentava ser muito respeitável.

No entanto, assim como um dia muitos ao se arrependerem por um mal-julgamento ao descobrirem o engano procuram se desculpar e reparar a confusão, também precisamos admitir nossos erros, sob pena de passarmos toda a eternidade remoendo suas tensões e sofrendo suas conseqüências. Um trauma, seja ele de ordem psicológica ou histórica, só pode ser reparado quando encaramos de frente sua origens e causas e procuramos realizar as coisas que precisam ser feitas para equacioná-lo.

Agora não é uma questão de desconhecer a verdade sobre o tema. A decisão agora é se vamos jogar a verdade para debaixo do tapete novamente, se vamos usar a violência para calá-la ou se vamos dar ouvidos a ela e construir um caminho de respeito e liberdade digno de um Estado Democrático de Direito. Podemos afirmar que no contexto atual não só é preciso reforçar que já há diversos espaços para o diálogo franco sobre o tema, como também manter as pressões para que as mudanças necessárias continuem acontecendo.

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