sexta-feira, 9 de novembro de 2007

UK: Descriminalizar ou não?

Por Luca Santoro Gomes (UNIAD-UNIFESP)
Em editorial publicado recentemente no “Society for the Study of Addiction Journal” por Geoffrey Pearson (Professor de Criminologia do Goldsmith College da Universidade de Londres) o autor discorre sobre as mais recentes evoluções no debate sobre as políticas do uso da maconha no Reino Unido.
Na época das campanhas eleitorais da Grã-Bretanha em 2004-05, o público inglês foi bombardeado com manchetes sensacionalistas de jornais que anunciavam a introdução de uma política mais branda no controle do uso e tráfico da maconha pelo Partido dos Trabalhadores de Toni Blair.
Manchetes do tipo: “Não deixe os nossos políticos chapados, chaparem vocês de novo”. “O uso da Maconha aumenta com a nova lei suave do partido dos trabalhadores”.
O que causou esta resposta pela mídia, foi na verdade, uma lei que criava uma diminuição nas penalidades pelo porte de pequenas quantidades da droga para uso pessoal.
O problema é que no Reino Unido as drogas são classificadas em um sistema descendente de acordo com a severidade das mesmas. O Decreto do Abuso de Drogas de 1971 (Misuse of Drugs Act) estabelece penas para porte, tráfico e produção de substâncias controladas para cada classe de drogas A, B ou C tendo em vista evidências científicas dos danos e a periculosidade de cada uma delas. Assim, Heroína, Cocaína, Crack e Ópio, por exemplo, são drogas classe A Anfetamina, Barbitúricos e Maconha são drogas classe B, enquanto. Benzodiazepínicos e Esteróides Anabolizantes são classe C.
Com esta lei, um usuário de maconha poderia pegar uma sentença de 5 anos de prisão por posse da substância além de uma multa indefinida, enquanto um traficante poderia ficar na prisão por 14 anos. (Na realidade, na maioria dos casos de posse de maconha somente, o usuário acabava pagando uma multa e sendo fichado criminalmente pela polícia).
O universo da droga naquele país vem mudando constantemente, como em qualquer lugar do mundo, mas há uma estimativa constante de 300 mil usuários problemáticos de drogas por lá. Mesmo assim, desde o início dos anos 70 até os dias de hoje, entre 70 e 85% de todas detenções policiais por delitos relacionados às drogas envolveram a posse da maconha.
É por isso que o debate é tão controverso, uma vez que se preocupa com a proporcionalidade da lei, na qual esta política das drogas “criminaliza” uma grande quantidade de jovens que tirando o uso pessoal da maconha, são cidadãos que obedecem as leis e as normas da sociedade. Sem falar no outro ponto de tensão que a lei favorece entre a polícia e os jovens das comunidades negras e minoritárias.
Foi por causa desses fatos que surgiu essa recomendação de se re-classificar a maconha da classe de drogas B para C, onde a posse da mesma deixaria de ser um delito passível de detenção. (Recomendação inclusive endossada pela ONG do Príncipe Charles, The Prince’s Trust). Esta recomendação teve apoio de vários setores, mas foi rejeitada imediatamente pelo Ministro do Interior na época, Sr. Jack Straw.
No ano seguinte, por coincidência ou não, a Polícia Metropolitana de Londres introduziu um esquema novo na área de Lambeth, predominantemente habitada por minorias étnicas e negras, onde pessoas de posse de pequenas quantidades de maconha receberiam somente uma advertência verbal, sem ser fichado criminalmente e tendo a droga confiscada pela polícia. O esquema foi considerado um sucesso pelas autoridades e comunidades locais. E o seu objetivo principal era o de liberar o tempo gasto pela polícia com esses pequenos e dispendiosos delitos.
Na ocasião o novo Ministro do Interior, Sr. David Blunkett, voltou com a proposta de re-classificação da maconha da classe B para C. Mas não era para ser.
Com uma parcela grande de descontentes com essas idéias, o governo acabou cedendo a pressão e voltou atrás e fez com que toda posse de qualquer tipo de droga fosse um delito passível de detenção e aprisionamento anulando assim a possibilidade de re-classificação da maconha.Entre idas e vindas, muitos debates e outras disposições legais, a re-classificação finalmente aconteceu em janeiro de 2004.
Toda essa confusão em relação à maconha só aumentou o tamanho da controvérsia e da discussão que agora se baseiam em 4 questões principais:
  1. “Passar uma mensagem errada para os jovens” de que certas formas de uso de drogas são aceitáveis;
  2. Preocupação sobre as variedades mais fortes de maconha, com maior teor de THC, em circulação hoje em dia, como o tipo “Skunk” por exemplo;
  3. Estudos que demonstram o link entre maconha e esquizofrenia;
  4. O uso da maconha está cada vez mais precoce entre jovens na Grã-Bretanha.
Mesmo que todos estes pontos sejam de extrema importância, principalmente o último, em termos sociais, o autor argumenta que não é imediatamente evidente o papel que o policiamento e a legislação da maconha podem exercer nestes contextos apresentados. “Estas são questões de saúde, não de polícia, por isto a re-classificação da maconha e suas sanções criminais não teriam necessariamente nada a ver com isto, apesar de que este é um dos grandes paradoxos das leis antidrogas que tentam atingir metas de saúde através de penalidades criminais”.
Um relatório publicado este ano pelo Instituto de Pesquisas de Políticas Criminais do King’s College em Londres concluiu que a reclassificação da maconha teve um impacto bem menor do que o esperado tanto para os que a defenderam, como para os que foram contra.
Nada disso parece que vai conseguir terminar com a controvérsia em relação à maconha.
A polícia Britânica diz ter economizado 3.5 milhões de libras esterlinas com a reclassificação. O uso de maconha que teve seu auge no final dos anos 90 entre os jovens parece agora estar diminuindo aos poucos por lá. E ninguém sabe explicar direito o porque disso. Surpreendentemente, ainda há pouco entendimento detalhado sobre padrões de uso da maconha, quantidades de consumo, o uso entre adultos e as conseqüências na saúde pública.
O autor conclui que “se isso tudo significa que precisamos aprender a viver num mundo onde as drogas existem, ao invés de uma imaginada utopia sem elas, com certeza a experiência britânica com suas confusas leis e políticas em relação à maconha vai ficar reconhecida como um cantinho pequeno e atrapalhado desta grande coexistência”.

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