Vocalista da Banda Detonautas reage às acusações do Secretário Nacional de Segurança

O vocalista da Banda e coordenador do Movimento pela Paz, Tico Santa Cruz, respondeu às acusações do Secretário Nacional de Segurança, sr. Antônio Carlos Biscaia, publicadas em uma entrevista cedida ao Globo On-line de que o Movimento seria formado por pessoas que consomem drogas, o que, segundo o Secretário, tornaria suas reinvindicações hipócritas.

Apesar de absurdas, as posições do sr. Antônio Carlos Biscaia, baseadas em uma perspectiva no mínimo simplista sobre a questão do consumo de drogas atualmente consideradas ilíticas, refletem a opinião de muitas pessoas dentro da sociedade brasileira. Fazer uma conexão de culpa entre a violência e os consumidores de drogas ilícitas é no mínimo negligenciar os equívocos históricos no tratamento para com as pessoas que consomem drogas, sejam consumidores socialmente integrados ou dependentes.

É muito fácil ressaltar as relações das pessoas que usam e que vendem drogas com os aspectos violentos do mercado, principalmente quando essa tarefa ajuda a ocultar o papel do Estado na construção desse problema.

Acompanhe e saiba mais sobre a polêmica no site do Globo On-line

Abaixo, a íntegra da resposta de Tico:

"Ao Secretário Nacional de Segurança, Sr. Antônio Carlos Biscaia

Li recentemente num artigo do O GLOBO ONLINE que o Senhor teria dito que manifestações contra a violência no Rio de Janeiro seriam hipócritas por nelas estarem presentes usuários de drogas. Como organizador de várias dessas manifestações, num primeiro momento, de forma ingênua, me perguntei a que tipo de drogas o secretário poderia estar se referindo. Ao tabaco, ao álcool que são drogas legais e que têm índices altíssimos de mortalidade? Mais adiante percebi que o Senhor estava se referindo obviamente as drogas ilegais que são vendidas por traficantes.

Concordo que diante dessa legislação atrasada (1940) quem compra droga está sim abastecendo o tráfico e consequentemente a violência. Então o que fazer para identificar possíveis usuários nas mobilizações? Teremos que cobrar exames de sangue? Teremos que fazer o teste do bafômetro? Impedi-los de fumar um cigarro ao longo dos percursos? E as mulheres que usam esses remédios tarja preta para emagrecer, como as impedi-las de gritar por seus direitos?

Como sou um artista e vocalista de uma banda de Rock, sei que muita gente associa minha imagem ao uso de tóxicos, mas me coloco aqui, publicamente e a disposição para quem quiser, possíveis exames que esclareçam se possuo ou não em meu organismo alguma das substâncias proibidas pela lei, caso o Senhor ache necessário para legitimar, no mínimo, as mobilizações que coordeno.

Diante do quadro ridículo que estamos enfrentando com essa guerra civil não declarada, inclusive onde o Senhor presenciara o assassinato de meu companheiro de banda, como foi colocado na reunião da ABI, a qual infelizmente não pude participar por estar trabalhando num projeto de ressocialização de presos em Bangu, fico me questionando como o devemos então expressar nossa indignação com essa situação caótica. Como fazer uma triagem que possibilite descobrir quem colabora ou não com o tráfico?

Estive me questionando também até quando teremos tantas vítimas inocentes dizimadas nesse conflito sem fim. Num fórum de segurança realizado recentemente aqui no Rio de janeiro, perguntei aos debatedores, incluindo autoridades policiais, se a repressão ao tráfico mata mais do que o consumo das drogas, por que as drogas são proibidas? O Senhor poderia dar essa resposta à sociedade?

Será que com estes péssimos salários pagos aos nossos policiais, com estas escandalosas atuações da banda podre da PM, com tantas desigualdades em relação ao potencial bélico, não estaria na hora de deixarmos nossas hipocrisias de lado e discutirmos em aberto a questão da legalização das drogas? Não existem campanhas alertando sobre o perigo de balas perdidas numa possível guerra entre traficantes e policiais ou mesmo entre quadrilhas rivais. Não existem livros que expliquem como uma bala perdida pode tirar sua vida ou te deixar paraplégico, ferido ou traumatizado. Mas existem cientistas e médicos com milhares de conhecimentos e informações preventivas e úteis sobre os malefícios do tabaco, do álcool, da maconha, da cocaína e etc. Estes conhecimentos estão disponíveis para qualquer um basta procurar. Não estaríamos nós enxugando gelo como falam alguns especialistas em criminalidade quando se referem ao combate ao tráfico de drogas?

Como as armas entram no estado do Rio? Existe alguma fiscalização de fronteiras que garanta nossa segurança? Existe alguma fiscalização no litoral que impeça os carregamentos de desembarcar numa praia deserta de nosso extenso território?

Caro Secretário, infelizmente suas palavras foram colocadas de forma muito genérica, o que me faz crer que não tem qualquer fundamento discriminar manifestantes por serem ou não usuários de drogas. Estamos numa democracia ou não? Todos têm o direito de reclamar por seus direitos, até quem está na contra mão da lei, pois a lei nem sempre é justa. Existem pessoas doentes, dependentes químicos, o que fazemos com eles, jogamos na cadeia?

Precisamos sair do coma coletivo e discutir melhor e de forma mais clara algumas políticas de segurança, acusar os movimentos de hipocrisia sem dúvida já é uma hipocrisia

Com respeito,

Tico Santa Cruz"