terça-feira, 17 de abril de 2007

Revista Mundo Estranho - "Dossiê Maconha"

A Revista Mundo Estranho, uma publicação da Editora Abril, lançou em março uma edição especial com uma matéria intitulada "Dossiê Maconha". A metéria é de excelente qualidade, expondo os diversos aspectos relacionados com a utilização das propriedades da planta. No entanto, contém alguns pequenos erros, absolutamente compreensíveis em se tratando de uma publicação que precisar traduzir informações extremamente detalhadas e dispersas em textos sintéticos e atraentes aos leitores juvenis. O cuidado com qualidade das informações publicadas na revista é realmente exemplar, tanto que os responsáveis tiveram a atenção de responder aos e-mails enviados a eles e publicaram uma parte da nota encaminhada à Revista. Leia na íntegra a nota:



Nota de esclarecimento sobre a matéria "Dossiê Maconha"

Prezado Redator-chefe da Revista Mundo Estranho e responsáveis pela matéria "Dossiê Maconha",

Primeiramente, gostaria de congratulá-los pela corajosa escolha por compor uma matéria que optou por expor fatos sobre as plantas do gênero Cannabis sativa que ultrapassam os meramente relacionados com suas propriedades psicoativas. No entanto, como pesquisador da história, dos usos, e dos aspectos botânicos das plantas Cannabaceae, envolvido em um projeto de pesquisa documental, e bibliográfico sobre o tema, e coordenador de um Coletivo de Estudo e Redução de Danos para os usos da planta, não poderia deixar de fazer algumas considerações a respeito de conteúdos publicados que estão relativamente em desacordo com alguns dados sobre a planta, seus derivados e seus consumidores.

Sobre o Cânhamo:
As fibras do caule da planta não são aproveitadas exclusivamente em variedades com baixa produção da resina. Durante todo o séc. XVIII e XIX, auge da utilização industrial das fibras da planta, as variedades cultivadas eram oriundas da Índia, então colônia britânica. O que de fato acontece é que nas lavouras destinadas à produção de fibra são aplicadas técnicas que favorecem a produção de fibra em detrimento da resina.
As plantas são cultivadas sem espaço entre si, para que cresçam concorrendo por luz e, com isso, possam produzir o caules mais longos possíveis (mais fibra). Além disso, as plantas são colhidas antes que comecem a florescer e produzir resina.No entanto, é verdade que muitos breeders (profissionais desenvolvedores de variedades canábicas comerciais) têm trabalhado e desenvolvido linhagens com teores mais baixos de THC. No entanto, em se tratando de baixa produção de resina, a técnica de cultivo ainda é mais importante que a origem genética da semente. "Os meticulosos padrões de cultivo industrial diminuem a potência da droga a níveis mínimos, mesmo nas linhas de sementes mais potentes". (CONARD, 2002: 24).

Sobre Folha, Caule e Maconha:
O que se chama no Brasil de maconha é o que os consumidores têm usado como produto psicoativo fumável. No entanto, o que se busca ao fumar alguma parte da planta são as propriedades psicoativas contidas em sua resina, e não a matéria vegetal não-psicoativa. Em diversos países europeus, africanos e asiáticos, os usuários preferem consumir a resina já submetida a tratamento e retirada da matéria vegetal (folhas, galhos, sementes, etc), à qual dão o nome de haxixe. Como, e em qual proporção de resina/material vegetal os consumidores de um determinado lugar irão fazer uso das propriedades psicoativas da planta são fatores que dependem da cultura, dos aspectos sociais, econômicos e políticos de cada localidade. No caso do Brasil, um dos países onde a repressão se dá de maneira mais violenta, o produto que chega às mãos do consumidor final é uma massa composta por folhas, galhos, sementes e flores, geralmente com um teor muito baixo de resina em comparação com outras amostras. (2% a 4%), enquanto amostras holandesas chegam a ter até mesmo mais de 30%. Isso não se deve apenas ao fato de que os cultivadores holandeses têm encontrado condições melhores para cuidar de suas plantas, mas também que têm podido diminuir aproporção de matéria vegetal vendida em relação à resina, devido à maiortolerância das autoridades governamentais em relação aos produtores, o que é bom para o consumidor que precisa fumar menos para obter os mesmos efeitos. Assim, não é correto afirmar de forma simples que folhas e caules são partes muito usadas para "fazer maconha", ao contrário, elas só entram na composição do que se chama de ‘maconha’, quando as flores não são densas o suficientes, quando se tratam das folhas e dos galhos anexos às inflorescências.Esse fato pode ser comprovado ao se observar que na prática, não apenas os especialistas recomendam que não se fume galhos, caule, folhas ou sementes, mas também os usuários têm conhecimento sobre isso e, ao confeccionarem os cigarros de maconha, descartam tanto quanto possível os galhos, as sementes e as folhas, procurando consumir apenas as inflorescências. (MACRAE & SIMÕES, 2000: 79-80)

Sobre Cannabis ‘sem cheiro’ e ‘mentolada’:
Há alguns anos que a imprensa vem ouvindo as autoridades policiais a respeito das variedades de maconha que têm chegado ao mercado, comprando o discurso de maconha ‘transgênica’ ou ‘mentolada’. Já escrevi para diversas outras instituições tentando corrigir a propagação de informações enganosas sobre as origens das variedades mais potentes ou com aromas mentolada,e todas ignoraram minhas considerações sobre o assunto. De fato, o que vem ocorrendo é o surgimento de uma nova configuração no mercado consumidor e produtor da planta, movimento esse que discuto em um artigo de uma coletânea ainda sendo organizada. Mas o que quero chamar atenção é que desde a década de 1970 que cultivadores de Cannabis conhecidos como breeders, se especializaram em observar e isolar espécimes da planta que tivessem características especiais, e procuraram colecionar variedades dos mais diferentes locais do mundo. Assim, cruzando espécimes de variedades intercontinentais, selecionando características genéticas próprias de cada localidade, e cruzando os espécimes mais especiais, esses breeders têm conseguido desenvolver variedades de Cannabis com muitas características especiais que não apenas a quantidade de resina e inflorescências, ou a concentração de THC. Eles têm buscado plantas com cores, aromas, sabores e aspectos que agradem aos diferentes gostos dos clientes de países onde a cultura do consumo de cannabis têm podido florescer mais abertamente, como Holanda e Espanha. Assim, um livro dedicado ao que tem sido chamado de cannabis connesoieur, especializado em variedades comerciais cita 3 principais categorias de aromas e sabores que seriam "fruity", "berry", "citrus", essa última subdivida em "lemon", "lime", "orange". Assim, o que mais provavelmente tem acontecido é a introdução de variedades com aromas mais próximos do tipo "citrus". (ROSENTHAL, 2001: 53).

Isso não se deve à mistura com folhas de menta, ou mesmo à manipulação genética, mas à técnicas de seleção e cultivo, semelhantes às usadas na criação de novas variedades de uva, feijão, mandioca, etc. Nesses casos, o que os breeders fazem é cruzar variedades de uma mesma espécie com características às quais procure reproduzir, diferente das plantas transgênicas, que utilizam outro tipo de técnica, na qual características de duas espécies diferentes são combinadas em manipulação genética. Um exemplo é a variedade Skunk® , atualmente comercializada em bancos de semente holandeses, foi desenvolvida nos EUA, a partir do cruzamento de espécimes fêmeas colombianas e machos afegãs. Cercada de mitos até mesmo entre os especialistas, a variedade registrada na Holanda teria sido desenvolvida na década de 1980, em pleno auge do surgimento das técnicas de cultivo com lâmpadas artificiais. Hoje o nome "skunk" é sinônimo de uma droga desenvolvida para "viciar mais" ou ser "mais forte" em todos os países onde as autoridades de repressão ao uso e cultivo desconhecem a história moderna dessa planta, dando margem ao surgimento dos mais inusitadas versões sobre sua origem e suas verdadeiras propriedades.

O estranhamento de que o aroma seja diferente da maconha apreendida comumente talvez se deva ao fato de que a maconha brasileira em geral tenha o mesmo aroma, o de uma planta em decomposição. A maioria do fumo que chega as mãos do consumidor final através longos períodos em condições inadequadas devido à forma como têm que ser transportado (em baixo de cargas, prensado em tijolos, etc). Assim, uma variedade de Cannabis de aroma cítrico ainda guarda certa distinção, mesmo após ser transportada e armazenada inadequadamente. À isso não se pode dar o nome de maconha sem-aroma, sem lembramos que, em rigor, o que ela tem é um aroma fresco, leve e agradável, ao contrário do que se fuma comumente e que se quer colocar como padrão, que tem em sua maioria cheiro de erva quase plenamente putrefata, ao qual nos acostumamos a associar com a resina psicoativa, mas que em muito se diferem dos seus aromas in natura.

Bibliografia citada:
CONRAD, C. HEMP – O uso medicinal e nutricional da maconha. São Paulo – SP: Editora Record, 2001.380 páginas.

MACRAE, E. & SIMÕES, J. Rodas de Fumo – o uso da maconha entre as camadas médias urbanas. Salvador – BA: Editora da UFBa, 2000. 147 páginas.

ROSENTHAL, E. Mapping the Pot Palate. In; The Big Book of Buds. Canada: Quick American Archives, 2001. pp. 54-53.

® Marca Registrada da empresa Dutch Passion Seed Company.

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