sábado, 14 de junho de 2008

Lúpulo e Maconha:"Qual a sua teoria?"

O Brasil é realmente um país de antagonismos fundados nos pilares da ignorância, preconceito, desrespeito e negligência na divulgação de informações e dados científicos, além é claro, em profundas e históricas desigualdades sociais e econômicas. Um bom exemplo disso são os tratamento diferenciados dados à duas plantas que, na natureza, fazem parte da mesma família.

Só existem dois gêneros de plantas que formam a família Cannabaceae: o lúpulo (Humulus lupulus) e a maconha (Cannabis sativa). O primeiro nunca teve muito destaque na cultura nacional, até se instalarem no país as primeiras famílias imigrantes européias que trouxeram sementes e adaptaram a trepadeira psicoativa ao clima do Sul e Sudeste brasileiro. O segundo, faz parte da tradição brasileira desde o princípio da colonização e sua história junto à humanidade é tão antiga quanto a própria civilização.

Apesar das muitas diferenças, o lúpulo se assemelha à maconha, entre outras motivos, devido ao fato de possuir plantas com sexos definidos e de apresentarem princípios ativos em maior concentração nas flores dos espécimes fêmeas. As propriedade medicinais do lúpulo são reconhecidas pela farmacopéia de diversos países, mas também suas propriedades psicoativas, tanto que algumas empresas norte-americanas a comercializam como maconha legalizada.

Apesar das muitas familiaridades, o lúpulo e a maconha são culturalmente distinguíveis devido à forma como os diversos grupos que os consomem na sociedade o utilizam e da maneira como as Leis e Políticas Públicas brasileiras lidam com elas. Enquanto a maconha tem raízes nas tradições afrodescendentes e indígenas e era usada principalmente como medicamento, em rituais religiosos (Candomblé, Catimbó, Umbanda, etc.) e reuniões sociais, o lúpulo era consumido principalmente por imigrantes através de uma bebida à base da fermentação de cereais com origens nas tradições europeias medievais, conhecida atualmente com o nome de cerveja.

O mercado de derivados de lúpulo é cada vez maior no Brasil e em todo mundo e está bastante regulamentado. Os princípios ativos do lúpulo são até hoje usados na farmacopéia oficial de diversos países e existem muitos medicamentos e cosméticos à base de lúpulo. Já a maconha, apesar de ter comprovada utilização nas industrias farmacêuticas, têxteis e outras, tem o mercado restrito devido às duras penas impostas àqueles que se aventuram em investir no seu mercado ou mesmo apenas pesquisar a planta.

Além disso, alguns dados sobre o hábito de ingerir bebidas alcoólicas revelam uma curiosidade a respeito do mercado brasileiro de derivados do lúpulo. O I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas realizado em 2002 estima que 68% dos brasileiros, entre 12 e 65 anos, consumiram bebidas alcoólicas ao menos uma vez na vida. Já os dados do I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, realizado em 2007, revelou que 61% das pessoas que consomem bebidas alcoólicas prefere a cerveja. Durante o I Encontro da Rede Nacional de Pesquisa sobre Drogas, em outubro de 2007, o prof. Elisaldo Carlini comentou os elevados índices de utilização de álcool nas regiões Sul e Sudeste encontrados durante a realização da 2ª edição do Levantamento Domiciliar de uso de drogas, afirmando ser essa uma tendência devido à tradição de consumir bebidas alcoólicas encontradas nas famílias de imigrantes naquelas regiões, o que faria o consumo de álcool ser considerado uma característica cultural.

Apesar disso, porque ninguém justifica a existência do uso da maconha nas regiões Norte e Nordeste, ou mesmo em todo o país devido à longa tradição de uso da planta desde o início da colonização? Porque esse argumento, quando utilizado, é sempre por um grupo restrito de pesquisadores que são sistematicamente ignorados, quando não ridicularizados ou criminalmente reprimidos? É estranho notar que duas plantas botanicamente parecidas recebam tratamento social, legal e político tão diversos.

Dentro desse debate algumas questões importantes ficam em aberto: O que o THC e a Lupulina têm em comum? Será que existem outros principios ativos no lúpulo semelhantes aos canabinóides já descobertos? Será que o uso do lúpulo é assim tão mais seguro que o da Cannabis? Ou será que a Cannabis é mesmo mais perigosa que o lúpulo?

Dentro desse debate, cabe a citação de como a indústria de bebidas alcoólicas e a sociedade brasileira além de ignorarem a proximidade botânica entre o lúpulo e maconha, ainda passaram a divulgar o lúpulo através de comerciais de cerveja e valorizar o fato desta planta entrar na composição da bebida, sem atentar para as especificidades da mistura entre duas drogas diferentes: etanol e lúpulo. É importante ressaltar que o que se pretende ao levantar essa polêmica não é a proibição das bebidas à base de lúpulo ou do seu uso, mas chamar atenção para o fato de que muitas vezes a criminalização e o preconceito com relação às condutas das pessoas que consomem maconha são baseadas em informações ainda mais falsas do que imaginamos.

Quem sabe, da próxima vez que um dos milhões de brasileiros que bebem cerveja tiver um pensamento ou atitude preconceituosa com relação a uma pessoa que fume maconha ele não reflita sobre suas próprias práticas de consumo. Já não é mais possível afirmar seguramente que cervejeiros e maconheiros são tão distante, afinal, agora sabemos que as plantas que consomem são da mesma da mesma família. Quem sabe agora, com uma maior divulgação de informações a respeito do lúpulo, não poderemos ver mais mais pessoas tendo reações semelhantes às divulgadas no final de um dos comerciais de cerveja mais populares: "Gente, vocês tão viajando, o lúpulo é só uma plantinha".

Para saber mais:
Cervesia

Um comentário:

  1. gde comparação, Vidal!
    é o verdadeiro óbvio ululante!!

    tá linkado no filipeta
    www.filipetadamassa.blogspot.com

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