sexta-feira, 25 de maio de 2001

Porque reabrir o debate sobre a Maconha?

O que é maconha?

Maconha é o nome de uma planta, isso parece óbvio para alguns, mas grande parte da sociedade brasileira está acostumada a associar esse nome ao fumo usado de forma recreativa por milhões de pessoas do mundo inteiro e que no Brasil recebe o mesmo nome da planta.

Porém a maconha não serve só para produzir fumo, feito apenas a partir das flores das plantas fêmeas da espécie. Diversas outras partes da planta são utilizadas em países como E.U.A, Inglaterra, Espanha, Chile, França, Suíça, Holanda, Canadá e muitos outros para produzir fibras têxteis das mais variadas qualidades, óleos bio-combustíveis, estruturas para construção civil, peças automotivas, cosméticos, medicamentos, alimentos, entre outros produtos.

Antes da proibição do seu uso e cultivo em 1932, o Brasil tinha uma vasta e lucrativa indústria baseada na matéria-prima têxtil extraída das fibras vegetais da maconha e em medicamentos que teve início ainda no século XVIII. O tipo de política pública que foi instalada na década de 1930, que pretende extinguir não apenas a maconha enquanto fumo usado de forma recreativa, mas também enquanto espécie vegetal fez o Brasil não só perder quase 80 anos de acesso à planta para realização de pesquisas e aplicações clínicas, mas também excluiu o país, com vasto potencial produtivo, do mercado internacional altamente lucrativo baseado nos produtos não psicoativos do vegetal que se mantém até hoje.

E Porque pedir mudanças nas Políticas Públicas e Leis sobre a maconha?

Além das atuais políticas públicas e leis brasileiras sobre a maconha não darem conta de regular os usos não-psicoativos da planta, atrapalhando o desenvolvimento econômico e científico e privando diversas pessoas de uma possibilidade terapêutica para suas enfermidades, elas dificultam ainda mais o diálogo entre os agentes do Sistema de Saúde e a pequena parcela de pessoas que usam a planta e têm problemas por isso. A grande maioria das pessoas que usam as flores da maconha não tem problemas de saúde causados pelo hábito, mas sim problemas relacionados com o status legal da planta e com o preconceito.

Leis e Políticas que causem mais danos do que a conduta que pretendem coibir, atuam de forma no mínimo contraditórias, isso se torna ainda mais grave quando seus objetivos deveriam ser preservar a Segurança e Saúde Pública tanto das pessoas que já usaram ou não maconha. Considerar criminosa uma pessoa adulta que usa maconha como droga recreativa, planta sagrada, medicamento ou para qualquer outro uso não ajuda em nada na tarefa de mantê-la saudável ou de assegurar seu bem estar e acesso a cidadania.

O Estado Brasileiro não considera crime diversas condutas que podem causar tanto ou mais danos do que o usar maconha, como consumir em excesso açúcar, comidas gordurosas, álcool, tabaco, fazer sexo sem preservativo, entre outras. O entendimento é de que tornar criminoso todo cidadão que atenta contra a sua própria saúde não ajuda em nada e só causaria um colapso nos Sistemas Judiciário, Policial e Penitenciário.

O cruzamento entre os dados estimados de pessoas que já usaram maconha ao menos uma vez na vida no Brasil e a capacidade do Sistema Penitencial é apenas uma das formas de conhecer o quão utópica é a idéia de considerar como criminoso todos os cidadãos que usaram ou usam maconha.

E porque pedir a Legalização?

Quando se usa o termo Legalização acabamos esbarrando no fato de que atualmente essa palavra carrega um estigma tão grande quanto o termo droga. No entanto, é necessário dizer que Legalização essencialmente significa “fazer com que uma conduta seja regulada por uma Lei específica”. A planta maconha é proibida de existir no Território Brasileiro e quem a cultiva ou carrega consigo, mesmo que em pequena quantidade para consumo próprio é considerado um criminoso, ainda que pela Lei não haja mais pena de restrição à liberdade. No entanto, na prática, até mesmo a conduta de distribuir panfletos para divulgar o trabalho de um Movimento Social que fala sobre maconha pode acarretar autuação por “crime de apologia ao crime” e muitas pessoas que plantam para seu consumo próprio são confundidas com distribuidores não-autorizados (traficante) e podendo pegar pena de até 15 anos de prisão.

Em diversos países como Austrália, Espanha, Canadá, Suíça, Holanda e alguns estados dos EUA, instrumentos jurídicos variados são adotados com o objetivo de regular as condutas relacionadas com o uso e cultivo de maconha para consumo próprio e de podar e punir os excessos, com resultados muito mais eficientes do que no Brasil. Essas iniciativas podem ser consideradas Legalizações, porque buscaram lidar com as suas realidades singulares com Leis específicas.

Quando se fala em Legalização, portanto, não se estamos sugerindo passar a tolerar a venda de maconha de qualquer forma e para qualquer pessoa, isso não existe em nenhuma experiência internacional. Retirar a produção, comercialização e distribuição das mãos de pessoas envolvidas com crimes violentos e entregar às forças de mercado capitalista de livre concorrência não resolvieria o problema de conter a violência produzida pelo mercado criminoso da planta nem o problema de acesso à saúde das pessoas que necessitam.

Só faz sentido usar o termo Legalização quando se referido a alguma experiência concreta como as já citadas ou proposta de regulamentação construídas em diálogo com todos os setores interessados da sociedade civil, avaliando em equipes multidisciplinares todos os dados científicos atualmente disponíveis sobre a planta e seu uso e levando em consideração tanto o histórico das Leis, Políticas Públicas e Tratados Internacionais sobre Drogas quanto o das experiências do gênero em outros países.

O Coletivo Marcha da Maconha Brasil não tem a pretensão de querer propor unilateralmente um modelo que consiga melhores resultados do que o proposto pelos políticos brasileiros da década de 1930 e reproduzidos até hoje. Mas temos certeza de que existem formas mais eficientes de garantir acesso à Segurança, Saúde Pública, Bem Estar, Cidadania e diversos outros direitos, tanto às pessoas que usam maconha quanto às que não usam.

O desafio lançado é para que essas Políticas Públicas e Leis possam ser discutidas e elaboradas de forma mais transparente, justas, eficazes e pragmáticas, respeitando a cidadania e os Direitos Humanos.

E porque o nome “Marcha da Maconha”?

Como dissemos no início, maconha é apenas o nome de uma planta, com muito mais utilidades e possibilidades do que apenas produzir fumo. Poderíamos chamar de Marcha da Cannabis sativa, em alusão ao nome dado por Carl Lineu no séc. XVIII e adotado por muitos cientistas; ou chamá-la de Marcha da Diamba, nome mais comum usado por comunidades camponesas do nordeste até a década de 1950. Poderíamos até mesmo escolher qualquer um dos milhares de nomes que ela tem em todo o mundo, ou escolher um entre as dezenas de nomes brasileiros.

A alta carga pejorativa que o termo maconha assumiu na história brasileira se deve principalmente à intensa campanha de associação da planta às populações social e economicamente marginalizadas de origem negra e indígena, do norte e nordeste do país, oriundas de tradições onde a planta era considerada um ser sagrado que, quando usada com sabedoria e dentro das regras não era em si maléfica ou danosa, podendo ajudar até mesmo a tratar e curar doenças.

Ao usar o termo Maconha, nossa intenção não é afrontar a moral ou os costumes de nenhum dos diferentes setores da sociedade brasileira, mas lembrar que a planta ou seus usos não podem ser entendidos ou discutidos de maneira simples. Afinal, é sempre bom reforçar que foram princípios autoritários, etnocêntricos e reducionistas que trouxeram o país à situação atual no qual nem o consumo diminui, nem se consegue levar saúde aos cidadãos e a violência relacionada ao mercado produtor e distribuidor só faz crescer.

Queremos apenas de promover a reflexão sobre o quanto ainda há muito caminho a ser trilhado para que informações tão simples e difundidas em todo o mundo, como o fato de que a maconha não é apenas fumo, possam tornar-se conhecimento público.

Os caminhos possíveis de serem percorridos podem ser longos, difíceis, e apresentar muitos percalços, mas se admitimos que o lugar e a situação onde estamos é péssima, um dia iniciar a caminhada por outros rumos torna-se uma necessidade imperativa.

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